Quando fores maiorzinho perdoa-me, meu filho.
Perdoa-me não ser o pai perfeito que agora pensas que sou, porque nunca o fui e nunca o serei, mas sabe-me tão bem, agora que és tão pequeno e tão grande em mim, sentir-me o mais forte dos homens, o mais fabuloso dos super-heróis quando me sorris com esse sorriso inteiro, esse sorriso que me faz ser gente como nunca antes de ti o fui.
Perdoa-me as vezes em que vou dizer-te o que não querias ouvir: apenas direi o que sinto que te fará bem, o que acredito que será bom, e quando te doer o que te digo, ou até o que não te digo, pensa por favor que te coloco acima de mim, muito acima de mim, e quando te firo é a mim que também dói, e quando choras são as minhas lágrimas que também caem, e que quando a vida te custar a vida a mim me custará em dobro, porque tenho de puxar-te a vida para cima e aguentar a minha sem cair, mas faço-o a sorrir, como quando fico sem dormir para te dar o biberão, como quando te deito nos meus braços para te adormecer o choro.
Perdoa-me a velhice em mim, o corpo que já não vai poder acompanhar o que a minha cabeça, e sobretudo a tua, quer fazer, as ideias que podem não aparecer-me com facilidade, a memória que pode aqui e ali falhar mais do que o costume, mas tudo o que posso fazer é tudo o que faço.
Perdoa-me, meu filho.
Perdoa-me as insuficiências, as incapacidades, as limitações: perdoa-me ser humano e não conseguir decidir sempre bem, pensar sempre bem, encontrar sempre a melhor saída para cada problema, ou até mesmo não ser capaz de evitar todos os problemas que te poderão aparecer, e vão aparecer, os problemas aparecem, isso é certo, os problemas vão aparecer e tu tens de estar à altura deles; queria proteger-te deles, fazer de mim o teu muro, deixar que as ondas batessem em mim e me fossem destruindo pouco a pouco, e tu atrás, seguro, confortável, com esses olhos grandes que me fazem gigante, com essa tua maneira de ser que me ensina todos os dias a ser, mas não dá, não dá; vais ter os teus problemas e as tuas dificuldades, vais querer por vezes desistir de tentar o que tanto queres e eu só quero que não desistas quando ainda acreditas que consegues ter o que tanto queres ter, e eu só te exijo isso, só isso, que sejas a pessoa melhor que conseguires ser, que nunca magoes com intenção, que nunca abdiques do que és só porque é mais fácil, tu sabes como eu sei que nunca o mais fácil é certeza de ser o mais saboroso, e que quando se luta pelo que queremos às vezes conseguimos mesmo o que queremos.
Perdoa-me as lágrimas que choro agora, são apenas as lágrimas com que te agradeço, as lágrimas com que me encontro contigo e te ensino que chorar é apenas mais uma parte de viver, como andar ou saltar, como rir ou pensar, somos também feitos de lágrimas, feitos de extremos que nos inundam, e a felicidade plena faz chorar como a tristeza profunda faz chorar, como até a ansiedade faz chorar, o que não faz chorar é o que não se sente, e isso não é aquilo que tu és, porque sentes, sentes tudo, e ris tanto, e falas tanto mesmo que ainda não fales, e queres tanto mesmo que ainda não saibas bem porquê; quer, quer sem medo ou com medo mas com vontade de ir mesmo com medo, quer muito, quer continuar, quer mudar, quer fazer, quer ir até ao final do que sentes ou ao final do que queres sentir, pois quem não sente, já o sabes de certeza, nem sequer é gente.
Perdoa-me, meu filho. Eu já me perdoei ter chamado vida ao que me acontecia antes de ti: tinha tudo e mesmo assim me faltava tudo.
Perdoa-me, meu filho.
Relativizar: v. Meio caminho andado para ser feliz. Somos sobretudo o que somos sobre tudo.
