
Fechou-lhe a porta na cara sem saber que lhe fechara a vida na cara.
Ama-se o que nos preenche a vida toda, e o que quando acaba, obviamente, nos esvazia a vida toda.
Pediu-lhe perdão mas tinha de ser: a personalidade dele, a ambição dele, a diferença dele, os desejos dele.
Ama-se o que nos separa muito mais do que aquilo que nos une. O amor acontece quando se é capaz de amar — de juntar — o que habitualmente nos separa.
Ele ripostou: que a vida também é a capacidade de amar quando quem se ama faz algo que odiamos, que o casamento também é a capacidade de amar o que nos fere, mesmo que o nos fere seja também o que nos sara as feridas, e é sempre, e é sempre, era bom que ela entendesse isso e abrisse oura vez a porta que acabara de fechar.
Ama-se o que nos faz abrir a porta que acabámos de fechar, e nenhuma porta é impossível de abrir quando se ama muito, e quando, mais ainda, se quer amar muito.
Ela não abriu a porta imediatamente, demorou à vontade dois ou três segundos, olhou-o sem uma palavra e amou-o como da primeira vez sem uma palavra.
Ama-se o que nos faz de todas as vezes amar como da primeira vez, mas mais fundo, mais além, mais longe, com mais falhas dentro (o amor é uma falha que dá certo, ou uma falha que dá errado e que mesmo assim dá certo no meio de nós, como se não houvesse certo nem errado, e não há, só há apaixonado ou não-apaixonado, e normalmente quem está apaixonado raramente está errado mesmo que esteja, mas já chega desta ideia que estamos a perder-nos e estamos, mais grave ainda, a perder a história).
Ele pediu-lhe então perdão: que a ama demais para poder suportar um quase-tudo, que a ama demais para poder ficar calado perante a impossibilidade de serem tudo aquilo que podem ser, que eles podem ser tudo mas que basta faltar um bocadinho e tudo acaba por saber a nada.
Ama-se o que nos faz ser tudo mas que se não for tudo como pode ser deixa um sabor a nada que não passa, que nunca passa, que só passa quando o amor passar, e feliz ou infelizmente o amor não passa, a não ser quando não é amor.
Ela aceitou o perdão e disse que sim: que iam desistir de tentar e iam passar a fazer.
Ama-se o que nos faz perder o medo (ou derrotar o medo mesmo que ele esteja lá) e desistir de tentar e passar a fazer: o amor faz-nos ou desfaz-nos e nenhuma das duas possibilidades atesta melhor do que a outra o que é o amor.
Ele e ela fizeram o que tinham a fazer: abraçaram-se e fecharam-nos a porta na cara, malcriados, mas sobretudo apaixonados, graças a Deus, e a mim também, que sou o narrador.
— Quando te perco deixo de saber onde estou.
— Estou no exacto local onde me deixares por mais que o tempo passe.
— Estou aqui.
— Isso: estou aqui. Estarei sempre aqui.
Rejeição: s.f.: Aquilo que só existe se vier de quem amamos; podemos ser rejeitados por mil pessoas e nunca nos sentirmos rejeitados.