
Contigo.
Com vontade.
Sem roupa interior.
Com urgência.
Consegues?
Aquelas palavras, escritas a tinta negra sobre a parede branca da sua casa, deixaram-no perdido. Se por um lado era horrível alguém ter tido a coragem de lhe estragar a pintura de uma forma que, se não era irremediável, estava muito próxima disso, por outro lado não deixava de se sentir honrado, privilegiado até, por haver alguém, no mundo, que o venerava assim tanto — ao ponto de arriscar, às escondidas e correndo o risco de ser apanhado e detido, pintar tal coisa numa parede de uma rua movimentada da cidade.
Consigo.
Contas-me onde?
Acordou a meio da noite e deu por si a escrever aquilo ali, na parede que ainda, sabe lá ele porquê, não decidira mandar lavar ou pintar de novo. Estava curioso: agarrado àquela pessoa que desconhecia. Voltou para casa e ficou a noite toda à janela, a ver se algo acontecia. Adormeceu já o dia tinha nascido, meia hora antes de o despertador tocar para se levantar e voltar para o trabalho.
Confusão.
Com cultura.
Comigo.
Com coragem?
Leu ele ao sair de casa: como foi possível? Naquela meia hora, não mais, alguém tinha respondido. E em plena luz do dia. Telefonou de imediato para o trabalho, disse que estava doente, pediu o dia de folga e passou o resto da manhã a tentar decifrar aquela resposta.
Sou a mulher que
Procuras
Sem nunca me teres procurado
Amar é isso
Só isso
Encontrar sem procurar
E andar ainda assim à procura
Com coragem
Com coragem
Com coragem
Não estava numa parede mas estava num palco: na voz de uma mulher. Ele conseguiu. Decifrou o enigma. Com coragem, chegou lá e retirou-a do ensaio para o espectáculo desse dia, já esgotado como todos os dela.
Conseguiste.
Em poucos minutos, estava tudo explicado e confirmado. Bem, quase tudo. Faltava ainda a parte da ausência de roupa interior.
Relógio: s.m. Medidor da inutilidade do tempo; todo o tempo é inútil quando estás preocupado em contá-lo.