
[na praia em hora de ponta]
O adolescente ao lado dos pais, com acne e sem namorada, a ver passar os biquínis como quem vê passar o sonho.
Não somos o que encontramos; somos o que procuramos.
A menina com uma boneca morena e vestida como se fosse uma princesa, sentada junto ao mar e com a certeza de que um dia será ela a princesa e será dela e de um qualquer príncipe encantado aquele mar inteiro.
Não somos o que não conseguimos ser; somos o que acreditamos que podemos ser.
O velhote sentado numa cadeira velhota, a ler um livro velhote, ao lado da sua mulher velhota — e de repente tudo fica jovem quando aparece o filho com o neto ao colo, o neto tão jovem que oferece juventude ao velhote e à velhota.
Não somos da idade do que vivemos; somos da idade do que sentimos.
O casal de jovens namorados escondido junto ao paredão, a tentar namorar com o corpo mas a só conseguir namorar com os olhos, o suor que não para e a vida sempre a não parar.
Não somos controlados pelo que queremos ter; somos controlados pelo que temos de ter.
O nadador-salvador que acredita ser como um qualquer galã de telenovela, a olhar em redor à procura de trabalho ou então de se meter em trabalhos, os óculos de sol estilosos, a pose estilosa, o sabor efémero de uma glória efémera.
Não somos viciados na eternidade; somos eternamente viciados no que acaba.
O bebé debaixo do guarda-sol, ainda sem poder andar, ainda sem poder brincar, simplesmente deitado a ver o mundo a passar, um sorriso aqui, um choro acolá, uma papa aqui e uma sopa acolá, os minutos e ele num passo lento, tranquilo, sem pressa de chegar e sempre, a toda a hora, a chegar.
Não precisamos de fazer mais com o tempo que temos; precisamos de sentir mais o que fazemos com o tempo que temos.
E eu. Não sei o que sou nem como sou. Não entendo o que me move e o que me deixa de mover. Não sei se sou mais o adolescente, se a criança, se o casal de namorados, se o velhote, se o bebé. Quero tudo o que posso com tudo o que tenho. Sou tudo o que acredito ser e até aquilo que nunca acreditei ser. Já consegui tanto do que não queria conseguir e um pouco do que sempre quis conseguir. Sou um pedaço de cada pedaço que ali anda, neste areal a perder de vista e que serve para nos fazer, nem que por momentos, fazer perder de vista o que dói, o que nos envolve e nos puxa para longe do que podemos ser.
Não sou nada do que penso ser; e não deixo de ser exactamente o que penso ser.
Relato: s.m. O mesmo que aquilo que te acontece — mesmo que não te aconteça. Ninguém é o que é — apenas o que contou a si mesmo ser.