
Aconteceu tudo muito depressa, como sempre acontece na vida da Isabel. Um dia quis ter um cão e no dia seguinte já estava o Ramsés lá em casa com brinquedos, LOP, cama e brinquedos para roer. Nunca fui muito dada a animais nem a plantas, tentei ter peixes, mas morriam sempre ao fim de uma ou duas semanas e quanto à flora, nem o manjericão de vaso se aguenta na cozinha, portanto quando percebi que ia ter uma bola de pelo a semear o caos no apartamento ia-me dando uma coisa, mas como a Isabel só faz o que quer, tive de me aguentar.
É muito difícil ser a irmã mais nova da Isabel, porque ela não é só mais velha, também é mais inteligente, mais divertida e mais bonita do que eu. Nem vale a pena entrar numa sala a seguir a ela, porque ninguém me vê. Se chegar antes, tenho direito a alguns minutos de glória, a qual se esfuma assim que a minha irmã avança. Também é mais alta e tem mais formas do que eu. Dizem que somos parecidas, mas só se for uma versão atrasada dela, o que faz sentido porque nasci três anos depois.
A Isabel sempre foi a menina querida dos avós e do meu pai. Não sei se é por ser a mais velha, mas parece que os primeiros recebem mais atenção. A minha mãe trata as duas com igual indiferença. Desde que o meu pai se mudou para casa da tia Laura, passa pouco tempo em Lisboa. A tia Laura era a melhor amiga da minha mãe até o meu pai se apaixonar por ela. Azar dos azares, é a minha madrinha de baptismo. Agora nunca sei se devo ou não manter boas relações com a minha madrinha, porque a minha mãe pode ficar chateada.
No dia em que a bomba explodiu, a Isabel pegou no telefone e disse coisas horríveis à tia Laura. Talvez tivesse razão, eu nunca teria tido a coragem dela. Depois meteu na cabeça que queria um cão porque achava que o bicho podia compensar a minha mãe do grande par de cornos que levara e o resultado não podia ter sido pior: a minha mãe odiou o cachorro e mudou-se praticamente de armas e bagagens para a casa do Alentejo.
Agora o Ramsés já fez um ano e a Isabel conheceu o Derek no bairro alto e perdeu a cabeça. Meteu-se no avião sem data de regresso, deixando-me o cão nos braços. Meti-o mo carro e levei-o para o Alentejo. A minha mãe protestou, disse e a casa não era um canil, mas eu choraminguei e lá aceitou ficar com o bicho.
O Ramsés, que olha sempre para mim sempre com aquela cara que diz eu gostava que tu fosses a minha mãe, deitou-se em frente à porta da rua para não me deixar passar. Tive de abria a porta devagar para sair. Não foi fácil.
Vim para Lisboa a chorar o tempo todo na A2, só parei na fila da ponte porque não gosto que as pessoas me vejam a fungar dentro de um carro, mesmo que não me conheçam. Fui a casa, fiz uma mala pequena e apanhei o avião para Salvador. Se a outra pode ir para o Havai, eu também posso ir para onde me apetecer. Tenho a minha amiga Rita à minha espera, também se fartou da vida lisboeta e foi para lá tomar conta de um resort.
Faço um reset no resort, esqueço as loucuras do meu pai, os caprichos da minha irmã, vou a uma Mãe de Santo e peço que me dê uma vida melhor, sem a sombra da primogénita a pairar-me sobre a vida como um pássaro gigante que faz muito barulho quando bate as asas.
Pode ser que quando volte, já me sinta menos presa ao cão, às Avenidas Novas e à casa da minha infância onde a Isabel sempre foi a rainha. E se ela não voltar do Havai, a rainha vou ser eu.