
Chama-se Íris a cantora brasileira que conquistou o meu coração. Conhecemo-nos no Rio de Janeiro. A vida cruzou-nos num acaso feliz, no café da livraria Argumento no coração do Leblon.
Não sei porquê, mas é comum acontecerem-me coisas maravilhosas nas livrarias do Rio de Janeiro. Já inventei personagens, já terminei romances, já escrevi crónicas, tive conversas inesquecíveis e conheci pessoas que nunca mais me saíram do coração. A Íris é uma dessas pessoas. Alta, magra, suave, linda, tudo nela é imenso, da boca ao peito, do cabelo aos olhos, do sorriso à inteligência. E acima de tudo o talento ainda maior, quando canta a sua voz derrete o mundo.
Se fosse homem não sei o que seria de mim nas mãos desta mulher, metade índia, metade deusa, que enfeitiça as ruas por onde passa, que dobra as ondas na praia, que tem sempre tempo e abraços para os amigos que ama.
Íris e eu passeamos e conversamos horas sem fim, como quem flutua por cima das coisas más, cada uma com o seu par de asas invisível, e no entanto, tão poderoso. São as asas que nos levam onde queremos quando queremos para junto do coração de quem mais queremos. Às vezes é para o coração uma da outra. Outras, o coração de um homem, apenas um, porque até nisso somos iguais, o nosso coração ou é só nosso, ou só de um outro alguém que tem nome próprio, e essa pertença é intransmissível.
- Porque é que a gente só ama um homem e depois, quando tenta amar outros, não sente nada? – pergunta a minha deusa canora na sua voz rouca e cantada, da qual podiam sair fios de mel capazes de colar a paz ao coração dos homens para sempre.
- Porque eles estão muito descuidados, confusos, magoados com a vida, como nós.
- Pode ser – responde – mas a gente sempre tenta, porque é que eles não tentam também?
O português do Brasil é isto, harmonia inesperada na troca de lugar das palavras numa frase, o advérbio antes do verbo, e fica tão bonito assim. Afinal, qual é a diferença em dizer a gente tenta sempre ou a gente sempre tenta? Desde que se entenda, no final tudo dá certo, como eles dizem.
- Se calhar tentam. Na verdade, não acredito que não tentem, porque todas a pessoas querem ser felizes – respondo com um sorriso.
- Você vê bonomia em tudo o que mexe, querida. Eu sou mais nova e não tenho mais essa candura.
Não ter mais é o mesmo que já não ter.
- Foi uma escolha consciente. Esperar sempre o melhor dos outros para que eles se sintam impelidos a dar o melhor. No fundo é uma forma de manipulação, mas sem dolo, entendes?
- Claro que sim. Alguém tem de começar a consertar o mundo, porque do jeito que está, ninguém sabe mais ser feliz.
- Ser feliz é estar aqui a ver o mar imenso, mergulhada na paz, poder olhar para ti e ver-te perto do meu coração, nesta amizade tão pura e certa que nos enche o enche o coração enquanto o meu amor não volta.
- Você está muito certa – responde o meu canário particular. E depois passa o seu braço pela minha cintura e começa a cantar ao meu ouvido uma das músicas que mais gosto, Outono do Djavan, tua pele um bourbon, me aquece como eu quero, sweet home, gostar é atual, além de ser tão bom.
É tão bom ter amigos que nunca saem do nosso coração, mesmo quando o nosso amor anda no limbo entre cá e lá, na corda bamba da vida, sem saber se e quando volta.
Talvez com um par de asas tudo fosse mais fácil.