
Não bastava a tragédia de Pedrógão Grande, não bastava o inferno ter descido sobre o interior do País, devorando em chamas o que resta do pobre Portugal rural. Não bastavam tantos feridos, tanta gente espoliada do que tinha pelo fogo diabólico. Não bastava esta tristeza sem fim. Haveria de tombar uma árvore gigantesca, na Madeira, para matar mais doze pessoas e deixar dezenas de outras feridas. Nunca se viu coisa assim. Tanto luto e tanta mágoa num só verão, como se mil demónios se tivessem apossado de parte do nosso país.
E para que não é crente, que gosta de explicações mais racionais, no desastre da Madeira volta à baila a Protecção Civil. Era sabido que a árvore assassina estava agarrada a uma outra com cabos de aço. Isto é, as autoridades sabiam que estava ali uma ameaça. Em vez de a resolverem, decidiram remendá-la. Mau remendo que mostrou a morte em dia de festa. Que arrastou consigo vítimas e mais vítimas e deixou em choque o País.
Mas o que une todas estas tragédias? Haverá algum ponto comum? São apenas acaso, destino, falta de sorte? Há um elo que liga todo este luto e mágoa. Os instrumentos de segurança das pessoas, da responsabilidade do Estado, atingiram um tal patamar de fragilidade que desde s mais singelos gestos de prevenção, como é cortar uma árvore assassina, até ao ataque aos incêndios tudo falha. E não se pode invocar a falta de meios. É sobretudo falha humana, de ausência de cuidado, de ausência de conhecimento técnico, de desleixo em muitos casos que deixa as comunidades à beira do caos. A partidarização excessiva da Protecção Civil, desde o nível municipal ao nacional, o comodismo que apenas é sacudido quando a ruína já ameaça, o próprio modelo em que assenta esta estrutura essencial à segurança das pessoas e bens não corresponde às necessidades, está esclerosado, contaminado pela incompetência e, em alguns casos, pela ignorância mais radical. Já são muitas as lágrimas, já é bem grande a mancha de sofrimento. Talvez tenha chegado a altura de repensar esta função do Estado. Se quem manda tiver coragem para tanto.