
São muitas as abordagens e muitos indicadores que permitem ver o estado da nossa democracia e do desenvolvimento do País. Os mais repetidos e noticiados prendem-se com a economia: a evolução do PIB, da inflação, dos salários, do investimento. Quando se trata de Segurança e Justiça, recorre-se à eficácia das polícias, aos números brutos da quantidade de crimes que vão sendo divulgados, se falamos de Saúde, contabilizam-se cirurgias adiadas, filas de espera para o acesso, serviços hospitalares encerrados e por aí adiante.
Porém, existem números a que a comunicação social presta menos atenção e que se prendem com a qualidade da nossa democracia. São números menores, mas indicadores preciosos para avaliar se vivemos numa boa democracia, atenta aos cidadãos, ou num regime de convivência onde a qualidade da nossa relação com o Outro é essencial para compreendermos se vivemos com maior dignidade ou melhor humanidade.
A APAV colocou cá fora, a fazer fé numa notícia do 'DN', números aterradores no que respeita a crianças. Nos últimos dois anos, recebeu dez mil queixas de violência contra menores, dos quais 62,6% resultam de violência doméstica e 30,3 % de crimes sexuais. Dito de outra forma, todos os dias são brutalizadas dez crianças onde seis são vítimas de violência doméstica e três vítimas de agressão sexual.
São números que magoam. Feridas que sangram numa democracia com cinquenta anos e onde persiste, de maneira tão assustadora, a violência contra os mais indefesos. É um dedo acusador apontado às instituições do Estado, às famílias, a todos nós no que respeita à negligência, ao egoísmo, à indiferença com que se continua a olhar para os mais jovens dos jovens. Números que nos atingem e mostram que o esforço para educar, para cuidar, para ajudar , para acompanhar os mais débeis continua sem ser objetivo primordial da nossa cultura cívica e familiar.
No meio de tantas urgências que sacodem o País, muitas delas aceleradas pelo conformismo, pela indiferença e pelo individualismo, ajudar crianças a não passar pelo inferno da violência obscena que a APAV denuncia é, devia, ser, a mais instante das urgências.