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Francisco Moita Flores
Francisco Moita Flores Piquete de Polícia

Notícia

Zé Narciso

Ele é o príncipe do seu conto de fadas. Com direito a espancar as fadas porque elas apenas existem para o servir. É o fogo fátuo, o foguete de lágrimas que todos estão obrigados a reverenciar. E quem não o faz é maltratado, vilipendiado, agredido. 
19 de maio de 2024 às 06:46
Zé povinho
Zé povinho

Foi através das ‘Metamorfoses’, de Ovídio, que a personagem mitológica Narciso se espalhou pela cultura ocidental. O jovem tão apaixonado por si que apenas reconhecia a humanidade através do espelho ou do reflexo da sua imagem nas águas de um lago, onde se mirava. Pouco lhe importa o mundo porque o mundo é ele. A síndrome da Branca de Neve, onde a rainha má interpela sucessivamente o espelho: Espelho meu, espelho meu, existe alguém no mundo mais bela do que eu?

Para Narciso não existe outro amor que não seja ele próprio, outro ser humano porque ele, de tão belo, tão maravilhoso, é a humanidade. Não há padrão moral, nem ético para além do que ele é, deseja ser, acreditar ser. É a individualidade levada ao limite do egocentrismo. Tudo o resto é povoléu, seres menores, gente rasca, incapazes, nulidades, meros servos que de que o Narciso se serve, usa e manipula. Quem o confronte é mentiroso, quem tente fazê-lo descer à realidade onde habitam os outros homens, está a preparar uma cabala contra ele. Tudo é falso, tudo é decadência, para lá da imagem que o espelho lhe devolve.

Ele é o príncipe do seu conto de fadas. Com direito a espancar as fadas porque elas apenas existem para o servir. É o fogo fátuo, o foguete de lágrimas que todos estão obrigados a reverenciar. E quem não o faz é maltratado, vilipendiado, agredido. 

O Zé povinho olha surpreendido para estas manifestações de amor por si próprio. Para muitos, Narciso é um pobre diabo que criou esta personagem para governar a vidinha sem fazer coisa nenhuma que não seja aparecer. Para outros, incapazes de levar tão longe o seu narcisismo, a referência esplendorosa do estádio supremo da inutilidade a que desejam ascender. A visibilidade mascarada do vazio. A posse daquele espelho que garante ao Zé que não há mais ninguém tão belo como ele. Não há polícia que o detenha, não há juiz que o segure e, pior do que isso, não há televisão que lhe dedique vinte e quatro horas de emissão exclusiva, onde os mortais poderiam apreciar o diálogo de Narciso com o espelho. Que não se preocupe ninguém em encontrar uns farrapos de compaixão, de bondade, de comiseração. Isso não existe num universo do belo perfeito, esplêndido, fabulosamente imortal. Nem admira que não se encontrem. Não são atributos da rainha má. São pertença da Branca de Neve.

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