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"Onde está a p*** da cassete?": O desespero de Tomás Taveira para travar a publicação dos vídeos do escândalo sexual e como tentou proteger a família no momento "da crucificação"

Consultámos jornais de época para recordar a polémica das cassetes íntimas, que representaria um dos maiores escândalos do final da década de 80 em Portugal e recordamos como tudo aconteceu: do momento em que meia Lisboa começou a cochichar sobre o vídeo de sexo do arquiteto até às negociações para evitar que este visse a luz do dia e, por fim, ao momento em que Taveira percebeu que já nada havia a fazer. O arquiteto estava nos camarotes do Estádio de Alvalade quando foi gozado pelos seus pares sobre o vídeo. Perante o romper do escândalo, pôs a mulher e os filhos num avião para Madrid e lidou sozinho com a polémica. "É uma crucificação", disse antes de desligar as linhas telefónicas do seu escritório das Amoreiras, remetendo-se ao silêncio
Por Rute Lourenço | 27 de setembro de 2025 às 18:29
Tomás Taveira e escândalo sexual nos anos 80 expostos em revistas Flash
Tomás Taveira Foto: Medialivre
Tomás Taveira Flash
Tomás Taveira Flash
Tomás Taveira Flash
Tomás Taveira Flash
Tomás Taveira Flash

Começou com uma profecia. Meses antes de o escândalo rebentar, em 1989, num jornal, um conhecido astrólogo fazia previsões sobre o ano de alguns ilustres da sociedade e a 'fava' calhou a Tomás Taveira: "Vai ter um ano terrível", anunciava para o famoso arquiteto, que tentou ignorar o assunto. Afinal, o que é que lhe podia acontecer quando vivia uma das melhores fases da sua vida, depois de ter assinado a obra das Amoreiras, em Lisboa, que lhe tinha valido o título de senhor da modernidade? Talvez devesse ter levado o assunto mais a sério. Algum tempo depois, quando viu envolvido o seu nome num caso de fuga aos impostos, confidenciou a alguns amigos que talvez quem lhe deitou as cartas tivesse alguma razão, mas na altura estaria longe de imaginar que isso até soava a uma bênção, tendo em conta tudo o que estava prestes a acontecer.

Foi em 1989, passaram-se 36 anos, mas o famoso escândalo das cassetes de Tomás Taveira torna-se invariavelmente atual, com ênfase na série da TVI 'O Arquiteto' que, apesar de não falar em nomes, tudo indica ser inspirada na polémica sexual que marcaria a final dos anos 80 e início dos anos 90.

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Como a memória facilmente se esbate, pode ser traiçoeira e uma história repetida dezenas de vezes ao longo dos anos raramente é replicada da mesma forma como começou, fomos consultar os principais jornais à época para saber como aconteceu ao certo a polémica que envolveu a divulgação dos vídeos de sexo, gravados pelo arquiteto no seu gabinete e sem o consentimento das dezenas mulheres que apareciam nas imagens em cenas maioritariamente de penetração anal.

Tomás Taveira Foto: Flash
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O BURBURINHO NO MEIO JORNALÍSTICO

A verdadeira grande reportagem sobre o caso Tomás Taveira foi publicada a 14 de outubro de 1989 pela revista do 'Expresso'. Assinada por Joaquim Vieira, traçava o círculo completo: como se começou a falar do assunto em determinados meios de Lisboa, até ser uma realidade inegável que um vídeo íntimo do arquiteto tinha fugido do seu controlo. A malograda cassete teria desaparecido do seu gabinete já havia dois anos (Taveira acreditava ter sido levada por uma amiga íntima) mas só um mês antes desta reportagem do 'Expresso' é que o arquiteto teve consciência dos sarilhos que iria representar. Taveira era então avisado por um jornalista seu amigo dos rumores que corriam acerca da existência das imagens íntimas. Dias depois, ligavam-lhe do 'Tal&Qual' com a mesma questão e outros volvidos de uma outra publicação da época, chamado 'O Caso'.

A reportagem de 14 de Outubro de 1989 do 'Expresso', assinada por Joaquim Vieira Foto: Flash
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O dono, André Gamboa Neves, explicava-lhe que ele próprio já tinha visto a cassete e que tencionava publicá-la dali a dois dias numa nova revista, a 'Semana Ilustrada'. Segundo a publicação, o arquiteto ficou em choque. Ao telefone, tentou demover o empresário, explicando que tinha mulher - Amarílis Cristina - e dois filhos e que o escândalo lhe iria destruir a vida. Entraríamos então numa fase de negociações em que Taveira tentaria de tudo para impedir que as imagens vissem a luz do dia. 

Tomás Taveira, Amarílis Cristina Foto: Flash
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"No estado em que as coisas estavam, era já impossível manter a confidencialidade sobre a história da cassete, que nos dias seguintes se tornaria num segredo de polichinelo em certos setores da sociedade lisboeta. O assunto foi abertamente discutido nas redações dos jornais. Nos meios noturnos corriam os rumores mais fantasiosos sobre as protagonistas da gravação", escrevia o 'Expresso', no artigo.

Dias depois do primeiro contacto, o dono da 'Semana Ilustrada' e Taveira encontravam-se para uma negociação sobre o assunto, no restaurante Bananas, do arquiteto, mas o almoço foi inconclusivo, pelo que ao final da noite continuaram o aceso debate, onde Taveira acabaria por proferir a seguinte frase, como um lamento. "Fui rejeitado pela sociedade portuguesa, cultural e politicamente. Em Portugal, os jornalistas não me deixam viver. Estes episódios apagam-me como português. Sou um indivíduo arrumado. A única coisa que me resta é o silêncio".

Tomás Taveira Flash
Tomás Taveira Flash
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Inicialmente, o arquiteto tentou ludibriar os jornalistas, garantindo que não era ele quem se encontrava nas imagens. No entanto, no segundo encontro das negociações, que decorreu no Ritz, já não tinha armas para negar que era o protagonista, pelo que as conversações passam para a fase seguinte.  André Gamboa Neves pede dinheiro para que as imagens não sejam tornadas públicas, sendo que o plano passa pela publicação de uma longa reportagem de oito páginas sobre a obra do arquiteto paga a peso de ouro pelo mesmo. Taveira propõe 1000 contos por página (cinco mil euros), ao que o Gamboa se atirou ao ar. "Comprei a cassete por 20 mil contos." "20 mil contos por aquela mer**?", respondeu Taveira, com base na gravação das conversas daquele encontro a que o 'Expresso' teria acesso. O diretor fixa então o preço em seis mil contos por página, mas a preocupação de Taveira redunda apenas numa coisa: o vídeo. "Onde está a p*** da cassete? O que faço para sacar a p*** da cassete? Você terá de destruir a cassete", ouve-se no mesmo áudio, ao que Gamboa nada responde.

As conversações parecem ter colocado água na fervura e durante uma semana, nada mais se falou sobre o caso, que parecia encaminhado, até que Taveira começou a ficar novamente nervoso quando André Gamboa Neves lhe deixou de atender ou retribuir as chamadas. Nesse dia, o jornal 'O Diabo', de Vera Lagoa, anunciava saber que era o famoso arquiteto que aparecia nas cassetes de sexo de que toda a Lisboa falava e durante um jogo do Sporting frente ao Nápoles, nos camarotes leoninos ao lado da mulher, Taveira sentiu-se gozado, com comentários acerca do vídeo a serem proferidos à sua frente, num prenúncio da tempestade que estava para chegar. No dia seguinte, confrontado com a notícia de que as imagens iriam finalmente ser divulgadas, continuou publicamente a tentar desmentir o que já então era óbvio. "Ninguém consegue provar que as imagens foram filmadas por mim, que sou eu, que a cassete é verdadeira", numa versão que, depois de as imagens verem a luz do dia não conseguiu manter. "Agora é difícil dizer que não", admitiu.

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Tomás Taveira Foto: Medialivre

Antes do escândalo rebentar, tomou medidas drásticas: enviou a mulher e os dois filhos (uma rapariga à época com 21 anos e um rapaz de 16) para Madrid para os poupar ao choque dos 150 mil exemplares da 'Semana Iustrada', que correriam o país. Quando o 'Expresso' o contactou no mesmo dia, estava à beira de uma crise nervosa. "A partir deste momento, cortou-se o meu cordão umbilical em relação a esta sociedade. Foi uma machadada muito grande, foi a crucificação. E tudo feito por um mafioso, um bandalho, um escroque". Seria a sua última resposta, pois horas depois foi consumido pela dimensão do escândalo: nas Amoreiras, no seu escritório, todas as linhas telefónicas foram desligadas menos uma, após a avalanche de chamadas e o caso era comentado em todos as casas, onde os pais tiveram de lidar com as perguntas dos filhos sobre o que queria dizer a palavra sodomização. 

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O artigo da 'Semana Ilustrada' era matador para Taveira. Hoje, olhar para as páginas daquela publicação causa-nos o horror de pensar como puderam sequer ver a luz do dia. Estamos a falar de seis páginas só com frames dos vídeos de teor sexual. A que aparece na capa é das poucas que não oferece um conteúdo totalmente explícito. Nela, pode ver-se o arquiteto a falar ao telemóvel, enquanto uma mulher lhe faz sexo oral, só sendo visível o seu cabelo, com o título 'As loucuras Sexuais de Tomás Taveira - Sexo no Escritório registado em vídeo. Todas as imagens chocantes'. E no interior, o conteúdo é efetivamente mais chocante, com cenas de penetração anal, em imagens nas quais nunca se vê a identidade das mulheres. No entanto, o artigo faz referência à ausência de respeito de Taveira para com estas: filmadas sem consentimento, penetradas quando pediam, face à dor, que o arquiteto parasse. Não se fala em nomes, mas a revista adianta que muitas delas são demasiado jovens, provavelmente suas alunas. "Estamos a falar de um homem com mentalidade da Idade Média ou pior, sem escrúpulos ou princípios, que merecia ser publicamente denunciado e levado a tribunal", pode ler-se na publicação, que abriria portas a que estas cassetes circulassem em primeira instância por toda a Lisboa e anos mais tarde um pouco por todo a web, tornando-se virais, popularizando muitas das expressões usadas por Taveira no vídeo como 'Ai dói? Estudasses'.

Tomás Taveira e o escândalo sexual na revista "Semana Ilustrada" nos anos 80 Foto: Flash

Mais tarde, a 'Semana Ilustrada' seria retirada das bancas por ordem judicial, numa altura em que planeava novos conteúdos sobre o assunto, mas nessa altura Taveira já tinha virado uma anedota nacional e também internacional, uma vez que a revista espanhola 'Interviú' compraria as imagens e as colocaria na rua. O seu casamento ruiu, a carreira parecia irremediavelmente ameaçada, mas hoje parece quase incrível que tenha continuado a lecionar na universidade, mesmo quando a sua presença impunha um clima de terror às alunas, depois da exposição de um crime sexual que oficialmente ficou sem culpado. 

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Numa época em que a vergonha imperava mais do que a urgência da denúncia, não há conhecimento de processos públicos por parte das mulheres lesadas no vídeo, que se tornaram, aos olhos da sociedade, em vítimas questionáveis. E o ónus da questão inverteu-se. Não interessava aquilo por que tinham passado, mas quem eram. Pertenciam, efetivamente, à alta sociedade, eram apenas alunas, mulheres de influentes políticos, como se chegou a especular? Taveira remeter-se-ia, nos anos seguintes, ao recato, mas o caso nunca foi silenciado e tornou-se em algo maior, no grande escândalo que abalou os anos 80/90 e que, mais de três décadas depois, continua a persegui-lo. Desde então, ele assinou obras públicas, estádios de futebol e coisas de que certamente se orgulhará, mas neste caso poucos serão os que recordam a obra sem primeiro apontar a mancha, que ainda assim parece ténue, mediante a dimensão de tudo o que implica. Aos dias de hoje, dificilmente conseguiremos imaginar algo semelhante sem pensar que o caso iria ter, no mínimo, um apurar de responsabilidades, ou que nenhuma daquelas mulheres desse um passo à frente para o denunciar criminalmente. Mas os tempos eram outros, e desse escândalo do final dos anos 80 só ficou uma história, cabeluda, de má memória, repetida até à exaustão como uma piada e uma polémica provavelmente sem igual na alta sociedade portuguesa.

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