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THE MAG - Entrevista

Aos 64 anos, Tim apresenta-se a solo e recorda o amigo Zé Pedro: "A idade permitia uma série de excessos"

Até ao dia 8 de fevereiro, Tim toma conta do cinema São Jorge, em Lisboa, para desfiar as canções da sua vida e carreira (dos Xutos aos Resistência, dos Cabeças no Ar ao Rio Grande) no espetáculo 'Canta-me Histórias'. O pretexto para recordar o menino António Manuel que sonhou em ser astronauta e se tornou músico por acaso.
Miguel Azevedo
Miguel Azevedo
25 de janeiro de 2024 às 22:20
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Aos nove anos assistiu à chegada do homem à Lua e por essa altura ainda desejou ser astronauta. Para o futebol nunca teve muito jeito e a mãe também não lhe dava autorização para ficar mais tempo na rua depois da escola. A música apareceu por brincadeira aos 13 anos quando o pai lhe ofereceu uma guitarra comprada numa viagem a Espanha. Aos 19, ainda a concluir o curso de agronomia, António Manuel Lopes dos Santos entrou para os Xutos & Pontapés (na altura ainda se chamavam Delirium Tremens) e transformou-se no Tim dos Xutos. Começou como baixista mas depressa assumiu o papel de eterno vocalista provisório, com a saída de Zé Leonel logo em 1981. Muitos não saberão, mas Tim também mantém, há 24 anos, uma carreira a solo, iniciada "em 2000 numa tenda de Circo que estava montada no Parque das Nações", recorda. "Havia muita malta que ia para lá tocar e foi ali que eu me estreei".        

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Zé Pedro sobe ao palco do Coliseu de Lisboa num concerto para recorda toda a vida

Ora é precisamente como músico a solo que Tim cumpre agora uma residência artística de 20 datas no Cinema S.Jorge, em Lisboa. Depois dos quatros primeiros concertos no final do ano (entre 27 e 30 de Dezembro), o músico iniciou, esta terça-feira, a segunda temporada, agora de mais 16 datas, que se estende até 8 de fevereiro. Sem qualquer convidado ou músico de suporte, Tim passa em revista toda a carreira, apenas na companhia da sua guitarra e do público. "Não digo que sejam concertos intimistas porque não gosto muito desse termo, mas são concertos que primam pela simplicidade e que assentam nas canções e na conversa", diz. "O que acho interessante nestes concertos é que quase todas as músicas são explicadas. O público, vai mandando umas bocas ou fazendo umas perguntas, cria-se ali uma interação engraçada e o espetáculo vive muito disso". 

Recusa o título de rock star, porque recusa o conformismo, e garante que continua sempre à espera de algo mais. É alentejano de gema, casado e tem dois filhos, Vicente e Sebastião, também eles músicos. Nunca estabeleceu limites, mas com alguma sorte à mistura nunca resvalou para o lado negro da força. Passou por alguns devaneios alcoólicos, admite que "muitos concertos dos Xutos, no passado, foram vividos em estado bem regados", mas garante nunca lhe deu para as drogas duras. "Mas sim fumavam-se umas coisas, antes, durante e depois, dos concertos, dependendo das épocas e das idades de cada um", admite. 

Começou a cantar aos 6/7 anos no coro da escola, em Almada, já deu aulas no conservatório, recusa a ideia de ser um poeta ("sou apenas um letrista", diz), mas conquistou o reconhecimento do público e dos seus pares. Teve mais vitórias do que derrotas ao longo da vida, mas ainda hoje não esquece um ensinamento da mãe: "a vida é sempre a perder". Em 2010 enfrentou um grave problema de saúde, a que ainda assim chama "tropeção", uma infeção no olho direito. Foi operado, com prognóstico muito reservado e com a possibilidade de perder a visão e o olho. Ficou com a visão comprometida mas hoje não é uma coisa a que dê grande importância.

Senhoras e senhores, tem a palavra António Manuel Lopes dos Santos, vulgarmente conhecido como o Tim dos Xutos. 

Há um Tim dos Xutos e um Tim a solo?

O Tim dos Xutos toda a gente conhece. O Tim a solo acaba por ser muito parecido, mas talvez seja menos exuberante. E depois, o Tim a solo tem alguma dificuldade em reproduzir a música dos Xutos porque essa é irrepetível. Só com eles é que se consegue. 

Sendo este um espetáculo em que se cantam e se contam histórias, depois de tantos anos, tantas entrevistas e até livros, ainda há muito para saber sobre o Tim? 

Sim. Há coisas que já estão mais do que contadas, mas há outras que eu gosto de partilhar, sei lá, como quando os Xutos gravaram o 'Circo de Feras', o que é que comíamos ou o que é que pensávamos. Ainda há espaço para contar coisas.

E há histórias que não se podem contar?

Tudo isto de que falo é ligado à música, as outras histórias não interessam muito. Um dia, se alguém quiser ganhar dinheiro com elas, que o faça, mas não é agora.  

Mas as pessoas não puxam por si nesse sentido?

Não. As pessoas são muito respeitadoras. Elas sabem que estão ali para ouvir música.  

Vivendo estes concertos da interação com o público, a coisa funciona sempre?

(risos). Epá já aconteceu de tudo. Há dias em que a conversa é mais solta e há outros dias em que a música prevalece. Mas como eu não tenho um guião, às vezes sim, pode acontecer eu ficar atrapalhado. 

E quando isso acontece?

Vou buscar uma música, falo sobre ela e a coisa resolve-se. 

Olhando para trás, é hoje um músico satisfeito com tudo aquilo que fez, quer a solo quer com os grupos por onde passou, especialmente com os Xutos?

Sim, mas claro que há algo comum a todos os músicos: há coisas que fizemos que não gostámos; há coisas que gostámos muito e há coisas que sabemos que podíamos ter feito melhor. A minha sorte é que as coisas que correram bem foram sempre mais do que as que correram mal. 

O Zé Pedro costumava dizer que tinha pena de nunca ter passado pela experiência de andar num 'tour bus' com os Xutos. Também partilha desse desejo?

O Kalu também tem essa vontade!! Para andar com cheiro a suor o tempo todo e comer comida fria por mim tudo bem. Durante uma semana ainda alinho, mas mais do que isso não (risos). E depois o pior são as costas...

Já que fala nisso, esta vida da música, da estrada, das viagens, dos quartos de hotel e dos concertos, não pesa para quem já tem 64 anos como o Tim?

Vou ser muito franco. Depois da pandemia, no ano de 2022, os Xutos tiveram um ano espetacular de concertos. Acho que as pessoas estavam sedentas. Mas confesso que, quando chegava a casa, parecia que vinha com aquela sensação do "este já está feito". Eu não quero abrir muito o livro, mas a verdade é que quando éramos mais novos chegávamos a casa numa forma que era muito mais cansativa (risos).

Está a falar de excessos!

Sim, a idade permitia uma série de excessos que hoje já não permite. São aqueles excessos, que quando somos novos se pagam à segunda-feira (risos). Hoje, já não dá. Hoje ficávamos doentes uma semana inteira. Mas todos os miúdos com 50 anos dizem o mesmo (risos). 

Os Xutos fazem este ano 45 anos de carreira, ainda se surpreende com a longevidade que conseguiram?

Para ser totalmente sincero, já não me surpreende, sobretudo desde os trinta anos do grupo e do concerto no Restelo. Mais recentemente, o termos conseguido regressar às digressões depois de confinamento foi algo de que eu não estava à espera. Foi tudo muito exuberante, com grandes concertos. 

E vai haver festa este ano?

Vamos fazer uma espécie de celebração com cerca de vinte concertos pelo país. Abre em Abril no multiusos de Guimarães, depois há o Rock In Rio Pelo meio, com orquestra, e no 14 de setembro, que é o aniversário do Zé Pedro, gostávamos de fazer uma coisa especial. Estamos a guardar essa data, logo vemos o que será possível, até porque já fizemos tudo o que havia para fazer em termos de concertos. Como se costuma dizer, a coisa "está-se a vestir" (risos).  

Tanto anos depois de Xutos & Pontapés, e de tanto discos feitos, não há crises de criatividade?

Então não há!!! Estaria a mentir se dissesse que não. 

E como é que se vencem essas crises?

A criatividade é algo que na verdade ninguém consegue dominar muito bem. Um dia tens e no dia a seguir já se foi embora. O Sérgio Godinho já uma vez falou sobre isto. Dizia que era capaz de passar uma série de tempo em branco, e de repente, num dia qualquer, a coisa resolvia-se sem ele saber como. E comigo e com os Xutos passa-se a mesma coisa. 

Estes 45 anos passaram rápido?

Se passaram!!! Isto foi um fósforo. Por acaso é algo que eu digo sempre ao Cabeleira antes de começarmos um concerto: isto vai ser um fósforo. E estes 45 anos passaram assim, muito rápido. Claro que tivemos os nossos altos e baixos, mas no fim das contas ficamos com aquela sensação de que o que foi bom passou depressa. 

Tim, Xutos & Pontapés, em Vilar de Mouros
Tim, Xutos & Pontapés, em Vilar de Mouros Foto: Carlos Gonçalves / Medialivre

E quando os Xutos acabarem?

Como diz o João Cabeleira: "espero ser cremado" (risos). 

O Zé Pedro é que adorava datas. Como é que o Tim lida com elas?

Sim, o Zé Pedro adorava! Eu não sou bom com datas e nem ligo muito, mas se as outras pessoas gostam também não sou eu que vou opor-me?  

Há vinte anos os Xutos chegaram a ser condecorados. Já mereciam mais uma medalha ou não?

(risos) Sei lá eu! Também tenho que dizer: o Zé adorava estas coisas. Por ele tinha recebido todas as medalhas do mundo. Sinceramente eu acho que nós já recebemos a nossa e há sempre muita gente para condecorar. Por isso está-se bem. 

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