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Zé Maria: do helicóptero em Barrancos ao dramático colapso na Ponte. A ascensão e queda de um herói improvável, que precisa de acompanhamento para a vida

Saiu do primeiro 'Big Brother' em total euforia, com 20 mil contos no bolso, um carro novo e a promessa de dias felizes pela frente. Do sonho ao inferno, passaram-se apenas quatro anos, quando este lhe bateu à porta. Internado depois de ter tentado por termo à vida, Zé Maria seria acolhido por freiras até voltar à sua terra natal, de onde nunca mais saiu. O acompanhamento psicológico, que mantém, aos 51 anos, no Hospital de Beja, será para a vida.
Rute Lourenço
Rute Lourenço
11 de abril de 2025 às 06:30
Zé Maria
Zé Maria

Hoje, 25 anos depois, ninguém sabe dizer o que levou exatamente ao quê e é impossível determinar se Zé Maria, agora a viver isolado na sua vila natal em Barrancos, se debateria com as mesmas questões de saúde mental se não tivesse participado no primeiro 'Big Brother', se não tivesse visto a sua existência simples ser alvo de um interesse de todo um país e se não se tivesse tornado numa estrela improvável, numa altura em que ninguém sabia ao que ia e um grupo de 14 anónimos desconhecia que se podia tornar uma celebridade, como num passe de mágica.

No entanto, é inegável que o programa da TVI toldou a vida de Zé Maria, que ainda se debate com respingos daquilo que viveu no passado. Perante o mediatismo, colapsou e ainda hoje segue à risca o acompanhamento psiquiátrico, no Hospital de Beja, que o faz manter-se no ténue equilíbrio do fio da navalha. As consultas regulares são fundamentais para evitar os episódios limite que, por mais do que uma vez, o levaram a um internamento compulsivo, e para que consiga manter uma vida simples que, no fundo, vai de encontro à essência que sempre mostrou no 'Big Brother' e que cativou os telespectadores: a paixão pelo campo e pela natureza. É hoje jardineiro da Câmara, depois de já ter trabalhado na construção civil ou no cabeleireiro da irmã, em Barrancos, curiosamente o local para onde, no auge da fama e glória, pensou que jamais voltaria.

Na altura, Lisboa tinha-lhe aberto portas àquilo que Zé Maria não conhecia, depois de vencer o 'Big Brother'. Ele, discreto, tímido, muitas vezes acabrunhado, esteve na calha para sair durante quase todas as semanas em que passou fechado no reality show, mas ao contrário dos colegas, mais mundanos, mais dados ao espalhafato, o público identificou-se com aquele rapaz franzino que dava comida às galinhas, falava com elas. Era um fenómeno que ninguém percebia muito bem, mas que se tornaria real. Zé Maria, com um carro novo e 20 mil contos no bolso (100 mil euros), saiu dos estúdios da Venda Pinheiro como o grande vencedor e chegou de helicóptero a Barrancos, onde era recebido como um verdadeiro herói. Era tempo de deixar a pacata existência alentejana por um mundo em que lhe prometiam um futuro dourado, com programas televisivos - estreou-se com o seu 'Mulheres de A a Zé' e teve uma rubrica culinária no programa de Fátima Lopes - e mil oportunidades.

Zé Maria
Zé Maria

Para se ter a noção do sucesso, à época o valor de Zé Maria passou a ser comparado, nos principais jornais, ao de apresentadores como Bárbara Guimarães ou Herman José. Todos o queriam: em publicidades, em presenças - a forma como os famosos ganhavam dinheiro por aparecerem em lojas, discotecas e outros locais a troco de dinheiro - ainda que ele próprio revelasse já alguma dificuldade em encaixar aquilo que lhe estava a acontecer. É preciso dizer que aquele primeiro grupo que entrava num formato que, até então, só existia fora de Portugal. E o boom que o programa teve levou a que, de repente, os portugueses sentissem que aquelas pessoas fizessem, basicamente, parte da sua família.

"Lá dentro não representei, mas cá fora deixei um pouco de ser eu próprio. Temos de encarnar uma personagem criada sem querer", disse Zé Maria na altura, enquanto também Marta Cardoso falou sobre a quão incomodativo, por vezes, se tornava aquela fama inesperada. "As pessoas esperam que estejamos sempre bem-dispostos e com sorrisos. Mas somos pessoas normais; também temos os nossos problemas".

Os anos que se seguiram àquela loucura que foi a entrada do milénio abririam as portas a Zé Maria para que todos os seus sonhos se tornassem realidade: ele queria um restaurante? Teve. Fugir à vida de todos os dias de Barrancos? Conseguiu, mas o outro lado da moeda estava lá, à espera de um deslize, e quatro anos depois da vitória do 'Big Brother', ele debatia-se com o reverso da popularidade, que começava a esfriar. Zé Maria, já de si frágil, acabaria por ser engolido pela máquina trituradora da fama, esquecido e trocado pelos muitos que vieram a seguir nos reality shows, e que tinham um reconhecimento cada vez mais efémero.

E quando, em 2004, parou o carro no tabuleiro da Ponte 25 de Abril e desceu à linha férrea para pôr termo à vida, estava completamente sozinho. Acabaria por ser salvo 'in extremis' por dois elementos da Brigada de Trânsito GNR, mas o alerta estava dado. Zé Maria não estava bem, precisava desesperadamente de ajuda. E quando, pouco tempo depois desse primeiro episódio, foi visto a sair de casa em tronco nu, na zona do Cais do Sodré, com dois gatos bebés ao colo, e tentava novamente suicídio, a família decidiria assumir o controlo da situação. O barranquenho acabaria internado primeiro no Hospital Curry Cabral, depois no Miguel Bombarda, sendo transferido posteriormente para a Clínica Psiquiátrica de São José, a cargo das Irmãs Hospitalárias do Sagrado Coração de Jesus, o que levaria às manchetes da época 'Zé Maria entregue a Freiras'.

Era urgente blindá-lo do mundo, levá-lo de volta para a pacatez de onde não mais sairia. Hoje, apesar da adrenalina que será recordar esses momentos, a sua vida é necessariamente diferente: poucos amigos, a família e uma tentativa de encontrar a sua verdadeira identidade pelo meio.

“Éramos genuínos. Éramos puros. Não tínhamos maldade. Não tínhamos noção de nada. Vivíamos como se fosse a nossa casa. Não tínhamos a noção da projeção do 'Big Brother', da quantidade de pessoas que, também, estavam a viver aqueles momentos”, já fez saber Susana, que era uma das principais aliadas de Zé Maria na casa, enquanto Teresa Guilherme, que conduziu esse primeiro formato, admitia que Zé Maria podia não ter "estrutura psicológica para aguentar tamanha pressão."

Entre os demónios que o perseguiam e o apelativo mundo das purpurinas, ele ainda tentou recriar o seu momento 'Big Brother', quando em 2002 entrou na versão para Famosos, mas já nada seria o mesmo e o alentejano desistiu ao fim de 20 dias. 

De lá para cá, aprendeu que o melhor para si era esquecer este mundo que um dia experimentou, a vida de quem não faz contas ao dinheiro, e voltar ao lugar onde, no fundo, talvez fosse feliz e não sabia. Ainda que para Portugal inteiro ele vá ser para sempre 'o' Zé Maria, o herói improvável que, lá pelo início do novo milénio, foi um bocadinho, o filho perdido de todos nós.

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