
A seguir à estrondosa vitória no Festival da Eurovisão, sublinhei aqui o quão refrescante é termos uma estrela que "foge aos cânones actuais", isto é, ao comportamento prevalecente hoje em dia entre todos os que acedem ao espaço público. Salvador Sobral não suporta selfies nem redes sociais, despreza os bons sentimentos de circunstância e o politicamente correcto.
Ao anunciar, frente a um Meo Arena completamente cheio, que ia fazer experimentalismo artístico, digamos assim, com as suas manifestações orgânicas, o cantor não quis gozar com ninguém, muito menos menosprezar o público ali reunido por um genuíno impulso de solidariedade. O problema foi outro: Salvador não compreende o aplauso antes da arte, porque não partilha o conceito da cultura-espectáculo, no qual a imagem se sobrepõe e antecede qualquer conteúdo. É assim Salvador Sobral. Foi assim que triunfou na Europa, depois de ter perdido a primeira televotação popular entre nós – convém termos este facto sempre bem presente, para compreendermos o fenómeno na sua globalidade.
Todos os elementos da cadeia de valor que rodeia o cantor devem tomar boa nota do seguinte: foi este Salvador Sobral que triunfou. Não foi "outro", porque não existe "outro". Querer transformar Salvador Sobral numa estrela igual a todas as outras será a forma mais rápida de destruir o fenómeno e cortar o laço que se estabeleceu com os portugueses, sempre dispostos a dar-lhe o benefício da dúvida e a avaliar as canções novas que queira apresentar. Eis, em suma, a pergunta-chave: pode alguém ser quem não é?