
Tenho nojo de ditadores. Mas pior do que um ditador só um ditador anti-ditador.
Enquanto que o ditador assume claramente que o é — e assume assim, claramente, o idiota que nunca deixará de ser —, o ditador anti-ditador clama lutar pela liberdade. E fá-lo. Sempre. Desde que seja a sua liberdade: a liberdade daquilo em que acredita, daquilo que vê como intocável, como impassível de ter outro ângulo.
Pior: o ditador anti-ditador insulta o ditador por aquilo que ele mesmo é: chama-lhe burro, diz que é ignorante, ataca-o de todas as maneiras e mais algumas. E nem lhe admite que seja diferente, que pense diferente. O ditador anti-ditador é um ditador que se vê como um gajo porreiro, alguém que defende o direito de expressão — desde, claro está, que não seja uma expressão que vá contra os seus princípios basilares.
Então: por mais que tenha razão, e tem (o ditador anti-ditador tem razão porque qualquer ditador é um merdas e será sempre um merdas), o ditador anti-ditador acaba por perdê-la num instante: a partir do instante em que quer amestrar, domar, ofender a liberdade de quem defende o ditador. Agora pensa: é mais ditador o que impede a opinião ou o que impede a opinião? Sim: são a mesma coisa, eu sei.
Para rematar: ditador é quem não ama. E quem não ama não compreende, não percebe, não perdoa, não dá espaço nem asfixia em doses iguais. Quem ama vê no amor a única ditadura que vale a pena. E quem ama sabe que amar também é, por vezes, entender; melhor: amar é quase sempre entender. Quer o ditador quer o ditador anti-ditador não sabem o que é isso de entender, de perdoar, de conter. Para ambos, a sua visão é a correcta: a intocavelmente correcta, a inapelavelmente correcta, a indiscutivelmente correcta. E ambos atacam ferozmente quem não a segue. São os dois um belo monte de bosta.
Não há, no limite, qualquer diferença entre eles: um é ditador porque quer impor a sua opinião e porque age ferozmente em função disso; o outro é ditador porque quer ferozmente que o ditador e os seus seguidores não tenham o direito de expressarem os seus pensamentos ditatoriais. Confuso, não?
Esclareço de vez: esta é, na verdade, uma carta de amor que te escrevo. Para te dizer que a tua existência é em mim uma ditadura, e que és tu a anti-ditadora que me impede de a fazer mandar em mim. Entendeste ou queres que um qualquer pseudo-intelectual te venha explicar?