
Estava proibido de a ver, e no entanto passava os dias a vê-la.
Via-a quando acordava, de lágrimas ainda nos olhos, e encontrava-lhe aquele olhar quando a meio da noite o procurava com frio.
"Vem que te quero apertar de amor",
e ele ia, mesmo que já lá estivesse.
Amar é também ir quando nunca afinal deixamos de estar.
Via-a quando chegava ao trabalho e não tinha a quem dizer o que acontecia de mau, e de bom, e de mais ou menos, e quando passava o dia todo a imaginar como teria sido o dia se tivesse tido a oportunidade de lhe ligar, de o viver com ela mesmo por trás de um telefone qualquer, com as palavras dela quando ele ligava sempre lá, sempre iguais e sempre únicas.
"Estou sim, mas só porque és tu",
e era mesmo ele, e agora já não é.
Amar é também continuar a ser quando afinal já não é.
Via-a sobretudo quando chegava à casa, noite fechada, e não havia o que ela era quando ele chegava: o abraço, ai, o abraço; o beijo, ai, o beijo; o jantar, ai, o jantar — e muitos mais ai pela noite fora e às vezes até pela manhã fora, e pelo dia todo fora, que não há corpos que impeçam um amor que os ultrapassa, e na verdade só há amor quando não há corpos que lhe resistam, verdade seja dita, e mais ainda feita.
"Gosto de quando já não queres mais e ainda não estás farto de querer",
e ele queria-a mais uma vez, o chefe que o perdoasse, que empregos há muitos.
Amar é também faltar ao emprego mas nunca ao amor.
Via-a mas agora já não a vê.
E já não a vê há tanto tempo, Deus o ajude a suportar esta tradição idiota de a noiva chegar sempre atrasada, que estupidez, que não se aguenta de saudade.