
"Loucos não são os que vivem na lua; são os que não conseguem olhá-la."
J. sentou-se, puxou de mais um cigarro e prosseguiu, semblante carregado, a vida ao fundo do fumo.
"Somos sobretudo aquilo que não olhamos. Já alguém aqui viu o vento?"
Na sala de aula nem uma resposta, a sensação de que o tempo parara para deixar as palavras passar.
"E no entanto vêmo-lo como real. O mundo faz-se do que, não sendo visível, se vê em nós."
Ao fundo, dois adolescentes, ela e ele, olham-se com vontades e desejos, sem sequer perceberem que acabaram de passar pela maior declaração de amor que poderiam usar para colocar no Instagram.
J. apagou o cigarro, levantou-se, caminhou até junto deles.
"O que vês nele?"
A jovem ficou vermelho, trémula, os olhos esticados, com medo do que dizer, com medo do que não dizer perante o grande professor catedrático, o tal que enche as salas e as turmas todas, mais de trezentas pessoas no grande auditório à espera da resposta dela.
"O que quero."
Disse-o mesmo, ela que sempre foi tímida, ela que nunca conseguiu dizer-lhe o que sentia, disse-o agora, com toda a gente a ouvir, o amor é uma coragem por ser.
"E no entanto nada é tão impalpável como tudo o que a menina vê nele. O que queremos não se vê. No limite vê-se o que nós vemos no que queremos. Amamos o que não existe, e é isso que o torna existente. Faço-me entender?"
Fez, claro, há uma sucessão de palavras baixas entre as centenas de alunos imberbes, a certeza de que ninguém sairá dali igual, quanto mais não seja haverá mais pessoas a saírem dali do que aquelas que ali entraram.
"Estamos vivos para sermos capazes de sabermos o que é viver, e quando o sabemos normalmente morremos."
J. acendeu mais um cigarro e pensou no que perdeu, e no que ganhou com o que perdeu, nunca por ter tentado.
"Agora saiam e vejam o que perderam."
Todos saíram, menos o casalinho ao fundo, que ainda lá está debaixo de um banco, e já lá vão três horas desde o final da aula, viva a juventude e os seus corpos infalíveis.
Remissão: s.f. Momento de visibilidade absoluta que aparece sempre tarde demais; quando queres a remissão já deixaste escapar a solução.