
- Quem tudo quer tudo sente.
Quando te vi pela primeira vez foi isso que me passou pela cabeça: desfazer frases feitas é um passatempo curioso, que sempre me fez sentir melhor, menos domada, menos domesticada. Gosto de arriscar ter tudo para sentir a possibilidade de ter tudo. Pelo menos por isso: para sentir a possibilidade de ter tudo.
Quem se fica pela metade consegue, no máximo, sentir pela metade – o que é, segundo as minhas contas de criança de dez anos, igual a nada. Metade de um sentimento é nenhum sentimento. Ninguém sente pela metade, meus caros, sinto muito. Ou sentes tudo ou não vives nada.
- A vida são dois dias: um é para amar. E o outro é para ser amado.
Quando te abracei pela primeira vez foi isso que me passou pela cabeça: acredita-se nos números para derrotar os sonhos, mas porque raios não se usa os números para amar? Adoro fazer contas, talvez agora, no final do nono ano, escolha engenharias ou até matemática; interessa-me perceber o sentido da vida, conhecer a filosofia do que nos arrasta.
É esse o motivo para existirem ciênciasexactas: para nos fazerem situar a emoção numa grelha contida, e para depois obviamente a reinventar. Existe o que tem de ser para sentires o que não pode ser: quase sempre um mais um, no que interessa, é igual a tudo – e não creio que haja matemático algum que me venha contrariar, e se vier não é matemático nenhum, só um desapaixonado sem lógica (e todos os especialistas em casas decimais sabem que um desapaixonado é um zero à esquerda, e à direita também).
Nenhum humano resiste ao que, não tendo explicação lógica, logicamente é capaz de entender, ou então de sentir. Os apaixonados podem fazer a conta errada que mesmo assim chegam ao resultado certo.
- Antes só de que sem ti.
Quando casamos foi isso que me passou pela cabeça: um egoísmo humano, passe a redundância. Sabia que havia uma vida toda pela frente e que a dimensão do tempo era a dimensão da tua ausência. Dói-me o espaço que não preenchemos juntos. As horas são lentas, ferozes, depois de entender que não estás.
Quero ocupar-me de ti para me sentir ocupado: colonizado, até, vítima de uma dependência que ninguém entende – e ainda bem: é sinal de que ninguém a sente assim. Há quem queira legislar sobre o amor, determinar o seu grau de equilíbrio, a sua perspetiva de futuro. A mim interessa-me apenas compreender como havemos de continuar ilesos, sem fazer a mínima ideia de onde vimos e para onde vamos – mas sabendo que vamos juntos.
É isso, no limite – e mesmo sem limites -, o amor: um lugar que não fazemos ideia de onde fica, um caminho que não fazemos ideia de para onde vai, mas para onde vamos juntos. O destino é certo quando a companhia é certa: somos os lugares que sentimos, nunca os que visitamos.
- Estou careca de saber que te amarei até morrer, disse-lhe ela, com aquele sorriso maroto de quem sente antes de pensar, depois da última sessão de quimioterapia.
Hamar: v. Modo correcto de "amar"; qualquer idiota consegue escrever correctamente; mas são poucos os génios que conseguem amar correctamente.
*Este texto não é escrito segundo o novo Acordo Ortográfico, por vontade expressa do autor.