
"Liga-me quando puderes. Tenho uma pedra encostada à garganta".
Vi a mensagem a boiar no fundo azul do iphone e imaginei um barco de papel perdido no meio de Victoria Lake. Era ela a partir do meu coração. Ou o meu amor por ela. Ou tudo junto. Fosse o que fosse, não tenho cabeça para isto. Sou um ser racional, pouco dado a achaques amorosos. Nunca entendi como as pessoas se apaixonam de uma forma tão avassaladora e brutal, acho tudo um disparate. Mas ela estava certa em dizer-me o que sentia. Sempre usou o coração e a verdade como um escudo, e a verdade é uma arma invencível. Não sabia o que responder, por isso fiquei quieto e calado. Talvez amanhã, quem sabe.
Quando me perguntaram no banco se queria voltar para Lisboa há três anos, não fazia ideia ao que vinha. Depois de quase duas décadas a trabalhar em Nova Iorque, voltar a casa era como voltar ao recreio do colégio.
Quando somos crianças o recreio é um mundo: imenso, excitante, cheio de recantos e de segredos. Mas eu queria voltar. O meu pai está doente e a minha mãe tem saudades minhas. Sou filho único, nunca casei nem tenho filhos, se não der aos meus pais alguma atenção agora, sei que não me vou perdoar. A vida é um eterno regresso a casa. Voltei para viver no mesmo bairro onde nasci, no tempo em que a Costa do Castelo estava a cair aos bocados. Há dois meses ofereceram-me quatro milhões pelo prédio dos meus pais, três pisos com vista para o Tejo e mandei-os dar uma curva. "É para uma estrela de Hollywood", confidenciou o agente imobiliário, como quem atira o pau ao cão. Dobrei a língua para não lhe responder "uma estrela já eu tenho, não preciso de vender a minha casa a outra".
A estrela é ela. A miúda que me manda mensagens há três anos. Conheci-a no Miradouro da Graça, estava a estudar cenas para uma série onde fazia de louca. Levantou os olhos, sorriu-me e eu comecei a ver estrelas na cara dela e em todo o lado. Faz teatro e novelas, é bailarina e recita poesia. A sua beleza cruza o olhar da Audrey com as curvas da Marilyn. É bonita, inteligente e talentosa, até hoje não percebo o que viu em mim, um tipo cinzento da finança que gere o dinheiro dos outros, que gosta de iogurtes gregos e anda de bicicleta ao fim de semana com os colegas do banco.
"Se fosse uma árvore, era um jacarandá", escreveu-me há dias. Mesmo que não lhe responda, leio várias vezes as mensagens que me envia, porque querem dizer sempre mais do que está lá escrito. Nestas semanas de Maio é sempre assim: a cidade enfeita-se toda como uma noiva no dia em que caminha para o altar. As árvores em flor pelas ruas da cidade cheiram a Primavera, a esperança, à promessa de um Verão cheio de bons mergulhos e petiscos de chorar por mais. Olha para o céu e vejo-a a voar, como um anjo, cada vez mais alto, as asas crescem e mudam de cor. Talvez amanhã lhe responda, ou então para a semana, quem sabe antes do final do verão. Vou responder quando souber o que lhe dizer.
Ela é o meu barco de papel, tão frágil quanto imortal, aquele ser alado que mais ninguém vê. Se fosse uma árvore, seria um jacarandá. Não interessa durante quanto tempo vai florir se as suas copas são as mais belas, para que nunca me esqueça dela o ano inteiro.
Talvez amanhã, quem sabe, lhe responda com o coração. Eu sei que o tenho no peito, mas já não me lembro se funciona bem, ou se é um relógio de cuco com um pássaro maluco, desacertado da razão e desencontrado da vida.