
Vou uma vez por semana almoçar os meus pais, jantar com a minha filha, visitar a minha avó Matilde e encontrar-me com a Maria José. A Maria José é uma psicanalista que se separou recentemente do marido, depois dele lhe ter confessado o que ela já há muito sabia: gostava mais de dormir com homens do que com mulheres. No circuito restrito formado pela Beatriz, a Maria, a Rita e eu, pedi aos restantes elementos que aceitassem a Maria José, não só por ter ótima cabeça e melhor coração, como para lhe dar um bocado a mão. Chegar aos 48 anos depois de um casamento de mais de vinte e aceitar que o marido é bi não é para qualquer uma. Requer grande coragem e tenacidade.
A Beatriz vinha despenteada, com aquele olhar alvoroçado de quem já fez ou está para fazer. Eu acabara de acender as velas e de servir o gaspacho. Enquanto o Verão se vai esticando, gosto de servir sopas frias. Quando estou inspirada faço vichyssoise, quando não estou, abro um pacote de gaspacho e limito-me a providenciar os respectivos mimos para o incrementar: ovo cozido, pimento, cebola, tudo bem picadinho e croutons para enganar a fome.
- Já está! Limpei as teias de aranha.
- Com quem? – perguntei. Sabia muito bem o que queria dizer.
- Com o Joaquim.
- Aquele que tinhas despachado antes do Verão? – perguntou a Maria.
- Sim, esse mesmo.
- E porque o recuperaste? – perguntou a Rita.
- Porque no fundo, bem vistas as coisas, não só é o mais giro, como é aquele que me aborrece menos. Na verdade, já nem me aborrece, porque com o tempo habituei-me a ele.
- Isso quer dizer o quê? – peguntou a Maria José com cautela, talvez por ser nova no grupo.
- Quer dizer que não me chateio quando ele vai para sala a seguir, ver os relatos e os resumos e os comentários da bola.
- E que fazes o quê? – agora sou eu que quero saber até onde isto vai.
- Nada. Fico sentada no sofá com ele a ver aquilo. Ou então levo um livro e fico a ler.
- E dormes lá? – pergunta a Maria que se interessa sempre pelos pormenores logísticos.
- Nada disso, estás louca! Venho para casa quando me apetece. É tudo na medida certa. Antes vamos jantar a qualquer lado, conversamos um bocado, ele fala do trabalho dele e eu do meu, depois vamos até casa dele, a coisa dá-se e depois volto à minha vida.
- Vocês têm de ensinar esses truques de solteira. – Deixa escapar a Maria José que é novata nestas lides.
- Só se for a Beatriz, porque é a única afoita do grupo. Eu sou sossegada e gosto de ser, a Inês não gosta, mas á na mesma.
- É verdade. – Admito – gostava de ser mais solta, mas depois nunca consigo. Ou não me apetece. Seja como for, fico muito mais vezes quieta do que desejaria.
- Então, mas não namoram? – pergunta a Maria que ainda vive nos seculo XX.
- Claro que não mulher, somos só lovers. Ele é o meu lover boy.
- E é isso que queres? – pergunta a psicanalista.
- Não se trata de querer, trata-se de gerir o que há. Preciso de sexo, os outros são aborrecidos, ele é giro e cumpre a função. É aquilo a que se chama uma camisa branca.
- E quantas vezes o vês por semana?
- Uma. Já está combinado. Terças ou quartas.
O mundo agora é assim. Dantes, as pessoas eram casadas. Depois estavam casadas. Depois, tinham relacionamento longos. Depois passaram a ter namoros. E agora têm casos. Não sei se alguma vez me vou habituar a estes formatos modernos.
Ainda me passa pela cabeça perguntar se é feliz assim, sem construir nada com ninguém, mas depois calo-me. Quem é que ainda constrói alguma coisa de jeito? O mundo agora está assim, ou uma pessoa entra no jogo ou fica de fora, a assistir de camarote.
- Não sei se estou preparada para este mundo – desabafa a Maria José.
- Ninguém está – contemporizo – mas agora não temos opção. É pegar ou largar.