
Uma das regras básicas de sobrevivência emocional depois de levar um grande embate é ter uma amiga em condições semelhantes que nos oiça, nos faça rir das nossas fraquezas e que esteja disponível para ser nossa baby-sitter, mesmo para tarefas tão entediantes como ir às finanças pagar multas em atraso.
Perante a inevitável travessia do deserto, vale mais do todos os ex-namorados juntos que ainda têm um fraquinho por nós e muito mais do que os mais variados palermas que tentam fazer-se à pista via amigos comuns, redes sociais, ginásio e afins.
Em tempos de frio para o coração o recolhimento é palavra de ordem, exceção feita a familiares e amigos de longa data, os únicos que nos podem ver de orelha murcha ou de orelhas de burro, consoante o caso. Ou então fazer uma viagem curta e divertida a uma cidade da Europa que dê para conhecer em três dias, como Amesterdão.
A minha amiga Cristina está nesta fase. É uma brasa de longos cabelos castanhos, cara de boneca havaiana e 1.74m de mulherão. Andou durante algumas semanas a receber SMS de um quarentão bem-parecido que insistia em comunicar com ela sempre depois das 11 e meia da noite.
Dá-se o caso da Cristina ter um emprego que a tira do édredon às 7h20 da manhã, pelo que depois das 11 badaladas, vai para a cama enroscada no seu belo pijama do Snoopy que, não sendo propriamente sexy, lhe fica a matar porque acentua o ar de miúda que nunca perdeu.
- Já lhe tentei dar umas indiretas por causa das horas, mas parece que o tipo não percebe – disse-me depois de sairmos da casa de Anne Frank, lugar que nos deixou um bocado deprimidas.
- Com indiretas não vais lá, tens de lhe dizer preto no branco que não estás acessível fora de horas. Quando as pessoas não querem perceber uma coisa, à bruta percebem sempre. Vamos jantar ao Number 1? É caro mas muito divertido. Têm sempre umas performances bastante avariadas e o ambiente é animado.
Estava um frio de cortar à faca, mas assim que chegámos ao restaurante esquecemo-nos de tudo, bebemos e comemos o que nos apeteceu. E quando rapaz repetiu a proeza com a habitual mensagem, a Cristina enviou uma missiva curta e assertiva na manhã seguinte.
O rapaz leu, engoliu e não respondeu, provavelmente porque não sabia o que dizer. Ela tinha razão, e quando uma mulher tem razão, o melhor que um tipo tem a fazer-se é calar-se. O fim de semana continuou sem incidentes, com passeios pelos canais e pelo Vondelpark de bicicletas alugadas.
De regresso a Lisboa, o player voltou à carga, desta vez um pouco mais cedo, pelas 10h30, encetando um diálogo amigável, como se a conversa anterior nunca tivesse ocorrido.
- Não percebo estes gajos, será que não fui suficientemente clara quando lhe disse que não queria receber mais mensagens a nenhuma hora do dia?
- Foste, mas fingiu que não percebeu. É uma tática que costuma ter bons resultados. Trata-se de uma forma de pedir desculpa sem usar a palavra em questão. Ele está a esforçar-se para ser bom rapaz, mas não vai correr bem.
- Porquê?
- Porque aquilo que começa torto, tarde ou nunca se endireita. Ele deve estar habituado a andar nas apostas múltiplas, vai gerindo como sabe, só que carro que parte na última fila nunca ganha a corrida. Já viste algum tipo mudar depois dos 40 anos? Eu nunca vi.
- Será que não nos vão aparecer tipos normais? – perguntou com cara de Snoopy.
- Claro que vão. Tipos normais ligam a horas normais. É tudo uma questão de tempo. Para atravessar o deserto, só precisamos de cantis. Camelos não, obrigada.