'
FLASH!
Verão 2025
Compre aqui em Epaper
Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

Notícia

Fora de horas

Em tempos de frio para o coração o melhor é uma viagem curta e divertida a uma cidade da Europa como Amesterdão.
03 de janeiro de 2017 às 16:29
Amesterdão, Holanda
Amesterdão, Holanda

Uma das regras básicas de sobrevivência emocional depois de levar um grande embate é ter uma amiga em condições semelhantes que nos oiça, nos faça rir das nossas fraquezas e que esteja disponível para ser nossa baby-sitter, mesmo para tarefas tão entediantes como ir às finanças pagar multas em atraso.

Perante a inevitável travessia do deserto, vale mais do todos os ex-namorados juntos que ainda têm um fraquinho por nós e muito mais do que os mais variados palermas que tentam fazer-se à pista via amigos comuns, redes sociais, ginásio e afins.

Em tempos de frio para o coração o recolhimento é palavra de ordem, exceção feita a familiares e amigos de longa data, os únicos que nos podem ver de orelha murcha ou de orelhas de burro, consoante o caso. Ou então fazer uma viagem curta e divertida a uma cidade da Europa que dê para conhecer em três dias, como Amesterdão.

A minha amiga Cristina está nesta fase. É uma brasa de longos cabelos castanhos, cara de boneca havaiana e 1.74m de mulherão. Andou durante algumas semanas a receber SMS de um quarentão bem-parecido que insistia em comunicar com ela sempre depois das 11 e meia da noite.

Dá-se o caso da Cristina ter um emprego que a tira do édredon às 7h20 da manhã, pelo que depois das 11 badaladas, vai para a cama enroscada no seu belo pijama do Snoopy que, não sendo propriamente sexy, lhe fica a matar porque acentua o ar de miúda que nunca perdeu.

- Já lhe tentei dar umas indiretas por causa das horas, mas parece que o tipo não percebe – disse-me depois de sairmos da casa de Anne Frank, lugar que nos deixou um bocado deprimidas.

- Com indiretas não vais lá, tens de lhe dizer preto no branco que não estás acessível fora de horas. Quando as pessoas não querem perceber uma coisa, à bruta percebem sempre. Vamos jantar ao Number 1? É caro mas muito divertido. Têm sempre umas performances bastante avariadas e o ambiente é animado.

Estava um frio de cortar à faca, mas assim que chegámos ao restaurante esquecemo-nos de tudo, bebemos e comemos o que nos apeteceu. E quando rapaz repetiu a proeza com a habitual mensagem, a Cristina enviou uma missiva curta e assertiva na manhã seguinte.

O rapaz leu, engoliu e não respondeu, provavelmente porque não sabia o que dizer. Ela tinha razão, e quando uma mulher tem razão, o melhor que um tipo tem a fazer-se é calar-se.  O fim de semana continuou sem incidentes, com passeios pelos canais e pelo Vondelpark de bicicletas alugadas.

De regresso a Lisboa, o player voltou à carga, desta vez um pouco mais cedo, pelas 10h30, encetando um diálogo amigável, como se a conversa anterior nunca tivesse ocorrido.

- Não percebo estes gajos, será que não fui suficientemente clara quando lhe disse que não queria receber mais mensagens a nenhuma hora do dia?

- Foste, mas fingiu que não percebeu. É uma tática que costuma ter bons resultados. Trata-se de uma forma de pedir desculpa sem usar a palavra em questão. Ele está a esforçar-se para ser bom rapaz, mas não vai correr bem.

- Porquê?

- Porque aquilo que começa torto, tarde ou nunca se endireita. Ele deve estar habituado a andar nas apostas múltiplas, vai gerindo como sabe, só que carro que parte na última fila nunca ganha a corrida. Já viste algum tipo mudar depois dos 40 anos? Eu nunca vi.

- Será que não nos vão aparecer tipos normais? – perguntou com cara de Snoopy.

- Claro que vão. Tipos normais ligam a horas normais. É tudo uma questão de tempo. Para atravessar o deserto, só precisamos de cantis. Camelos não, obrigada.

Leia também
Leia também
Leia também

você vai gostar de...

Mais notícias de Pessoas Como Nós

A menina Clarinha e eu

A menina Clarinha e eu

Não sei quantas vezes tentei esquecer-te, talvez menos do que tu e mais do que o meu coração aguenta, a única que sinto é que, cada vez que a dou espaço à razão, o meu coração começa a encolher-se como um bolo sem fermento, a vida fica sem açúcar e os dias sem sabor.
Mergulhar no futuro

Mergulhar no futuro

Agora, enquanto a ameaça da pandemia pairar sobre Portugal e o mundo, espero pacientemente por aquele momento mágico em que vou poder voltar a mergulhar no mar. A vida ensinou-me a mergulhar no futuro, mesmo quando o futuro é um lugar vago e incerto.
Com cinco letras apenas

Com cinco letras apenas

É engraçado como as palavras mais belas e mais importantes têm três, quatro ou cinco letras. Mãe, pai, avô, avó, tio, tia, filho, paz, saúde, sonho, amor, fado. Beijo, abraço, toque, sim, não, já, agora, calma, vem, fica.
Claras em Castelo

Claras em Castelo

Estar fechada em casa não me custa, o que me custa é não ver o meu filho e os meus pais, as minhas sobrinhas e os meus irmãos, as minha amigas e amigos. Na verdade, o que me custa ainda mais, é não acreditar que, quando a pandemia passar, as pessoas não vão mudar. Agora acreditam que sim, estão paralisadas pelo medo, mas são apenas boas intenções, porque as pessoas não mudam.

Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável