
- Roma será sempre uma das cidades mais românticas do mundo, mas para isso é preciso ter amor no coração. Já nem me lembro a última vez que o meu bateu mais depressa por causa de alguém.
Estávamos a beber um chá de hortelã no Le Chat, às Janelas Verdes. O sol descia com grande beleza e suavidade naquele ponto impreciso a que gostamos de chamar a linha do horizonte, iluminando a ponte vermelha que já teve o nome do Ditador, a contragosto do mesmo.
- Olha como Lisboa está linda, Carlota. Os dias de sol são os mais belos do ano, o pior é o frio – respondi, apertando mais o cachecol, sem saber se seria boa ideia mudar o rumo à conversa.
A Carlota foi minha colega de carteira no Colégio das Doroteias, nem sei há quanto anos, a partir de certa altura começamos a contar a vida por décadas, sinal inequívoco de que já vivemos mais de metade do tempo a que temos direito. Não lhe vejo a idade, apenas talvez no andar, mais hesitante e menos atlético. O tempo deixa sempre marcas, ainda que nos passe ao lado, mas quando as pessoas fazem parte da nossa vida, não as vemos envelhecer.
Olho para a minha amiga de olhos azuis vivos e brilhantes, cabelo claro e uma boca de Sofia Loren tão bem desenhada que nenhum cirurgião conseguiria imitar e sinto um afeto imenso por todos os anos de amizade que já somámos. Para mim continua a ser a miúda da farda amarrotada e das meias enroladas nos tornozelos de tanta correria no recreio.
- Na vida são mais os amigos que se perdem do que aqueles que se fazem, é uma aritmética absurda, mas verdadeira – costuma dizer. Mas a nossa amizade nunca sofreu um arranhão, valha-nos isso.
- Presumo portanto que a viagem não correu bem…
- O que queres que te diga? Ele tem objetivamente tudo o que me podia interessar, mas não há química entre nós. Cada vez que me agarra a mão, sinto-lhe a pele áspera e gasta. E não gosto dos beijos, são muito molhados e repenicados, pouco masculinos. Faz ruídos e suspira por tudo e por nada, é muito estranho.
- Então foi mesmo um desastre…
- Nada disso, passei uns dias ótimos a visitar a cidade. Fiz compras espetaculares na Via Condotti, visitei o Coliseu e o Museu Capitolino, fiquei a ver os namorados a tirar selfies na Fontana di Trevi, subi a escadaria da Praça de Espanha, meti conversa com turistas. Ele estava o dia todo fora em reuniões, só jantávamos juntos. E dormíamos, mas eu não dormia nada, nem me senti bem na mesma cama. Foi terrível.
- E ele?
- Sabes que depois dos 50 os homens já não esperam muito de uma mulher. Dão tudo o que podem, mas nem sempre conseguem ter uma performance razoável e conformam-se com isso. É a condição humana. Por isso ficam mais atentos, mais dedicados, mais compassivos, eu diria mesmo mais passivos. Há muitas mulheres que não se importam, porque não se interessam por sexo, tanto lhes dá ter como não ter. Mas eu não consigo. E não consigo forçar a atração. Ou está lá ou não está, nada a fazer.
- Então e agora?
- Agora vou recuperar o meu caso com o meu vizinho do 4.º andar. Parece que a mulher já não volta de Angola, arranjou outro. Sendo assim, já nem há remorsos.
- Mas gostas dele?
- Sei lá. Gosto quando vamos os dois passear os cães ao jardim e gosto dos beijos e da forma como me agarra. Pelo menos há química. E a química é meio caminho andado para uma pessoa se apaixonar, não achas?
Acenei a cabeça e continuámos a beber o chá. Fixei a linha do horizonte e tentei ouvir o meu coração bater, mas não senti nada. Talvez seja da constipação, por causa do frio polar, que me entope os ouvidos.