
Hoje volto ao Rio de Janeiro, a minha segunda cidade, a cidade de todos os silêncios e de todos os recomeços. Aqui já escrevi parte dos meus últimos livros. Foi aqui que aprendi a meditar e a deixar ir.
Foi aqui que me impregnei da 'Teoria Geral do Desapego', lembrando o que a grande Agustina me ensinara há muitos anos e que com a tempo e vida, esqueci: apoia-te sempre, nunca te agarres.
O Rio não é só uma cidade linda, é "A Cidade Maravilhosa": a praia, a lagoa, o Cristo, os jardins, a confusão, as árvores, os morros, as vistas, as cores e os cheiros deixam os turistas inebriados de prazer, mas quem ama mais a sua cidade é o carioca.
E eu já me sinto uma carioca sempre que volto. Voltarei sempre, quem sabe um dia para sempre, porque a tua casa é onde te sentes feliz e acompanhado, a tua casa é onde vive o teu coração, a tua casa é onde a tua alma mais se eleva e mais se liberta.
Lisboa tem a outra metade do meu coração, a mais sombria e pesada. Eu amo Lisboa e amo Portugal, não me imagino de nenhuma outra nacionalidade nem a trabalhar numa outra língua. Talvez por isso o Brasil me seja tão fácil: é o país irmão, falamos a mesma língua, ainda que nem sempre usemos as mesmas palavras.
Esta crónica semanal serve para contar histórias de cidades, portanto aqui vai a minha. Foi aqui que imaginei o final de dois livros, foi aqui que recomecei uma nova forma pensar, de estar e de ser.
Aqui aprendi a ser mais leve, mais paciente, mais tolerante. Aqui descobri que quem espera nem sempre alcança, que o desejo à flor da pele fica mais belo se for dominado, que "nada é pra já, o amor não tem pressa, ele pode esperar", como canta Chico Buarque em 'Futuros Amantes'. Aqui escrevi poesia e algumas histórias inéditas publicadas no livro 'O Meu Amor Existe'.
O Rio de Janeiro é muito mais do que a cidade do Carnaval onde o inverno vem passar o verão. É a casa de Tom Jobim, de Vinicius de Moraes, de Ney Matogrosso. É o lar de Nelson Rodrigues, de Carlos Drummond e de Manoel de Barros, o poeta que dizia que a vida sem poesia não tem serventia nenhuma.
O Rio tem poesia e sexo por todos os lugares, basta olhar para ver. O samba domina as almas, apesar da miséria, apesar da crise, apesar da corrupção. É a vitória da alegria sobre a tristeza, da leveza sobre o peso inexorável da velha Europa, cansada, curvada, gasta e ressequida.
Sentada no alto da Pedra Bonita, escrevi o poema que fecha o livro sem tristeza nem mágoa, numa homenagem à cidade que me acolhe:
Aqui acaba a viagem
Aqui enfim, sei que és uma miragem
Bela e já fria, como todos os sonhos que morrem
Às portas de uma nova vida.
Aqui sou mais eu
Aqui estou em paz
A cidade oferece-se num desejo
Mas espero ainda
Numa esquina qualquer
O teu derradeiro abraço
O nosso último beijo.
O livro está aí, com a sabedoria possível e poesia necessária a uma vida com alegria. Como as pombinhas da Catrina, será de quem o apanhar, com as mãos e já agora, com o coração.