
Cada cidade que se visita com frequência ganha no coração do turista lugares que se tornam ícones de identificação. O Rio de Janeiro tem tantos pontos de interesse que se torna quase impossível eleger apenas um. Ainda mais no meu caso, que sou dada aos encantos da Natureza, graças à irregular, porém dedicada, formação que o meu pai foi dando as filhos durante a infância e adolescência sobre os reinos animal e vegetal.
Quando éramos crianças, ele sentava-se connosco nas tardes de domingo para assistirmos os quatro aos documentários da National Geographic, Vida Selvagem, primeiro a preto e branco e depois a cores, quando os lares foram invadidos por televisores que pareciam camiões do lixo em tamanho pequeno, tal era a profundidade da máquina que guardava os circuitos da caixa que mudou o mundo.
Às vezes ainda me sento a ver um filme em casa dos meus pais para fazer gosto à minha mãe e exibo com orgulho na sala da minha casa a nossa primeira televisão – na época parecia grande – com um écran cinzento emoldurado em baquelite verde-água, equipada com dois botões pequenos, um para o volume e outro para o contraste, e ainda um botão grande que servia para apanhar os canais e acertar a frequência, debilmente captada por duas antenas curtas que mais pareciam as de uma formiga assassina do que objetos de aço fino inanimado, enfeitadas por uma tampinha preta na extremidade, para não furar olhos, ou outras coisas.
Mas estou a desviar-me do ponto. Comecei a divagar sobre as tardes de domingo a assistir à Vida Selvagem para falar do meu canto preferido da cidade do Rio de Janeiro. Sim, a Lagoa é linda, o Calçadão é carismático, começando na praia do Leblon - o bairro chama-se assim por causa de um francês que comprou toda a área, Charles, cujo apelido ninguém sabe se era mesmo Leblon, ou uma alcunha que pegou dada a sua clara cor de cabelo, já que blond é a palavra francesa para loiro. Estava eu a enumerar do Leblon até Botafogo, passando por Ipanema e Copacabana, as praias são lindas, o Cristo é uma loucura, as escadinhas da Lage um charme, enfim, é um sem parar de belezas naturais numa cidade com tantas árvores que uma pessoa assim que sai de casa sente-se logo um Avatar.
Mas aquele lugar mágico, onde já avistei fadas e duendes, onde ouvi uma mulher cantar ópera, talvez o fantasma de Gabriela Besanzone, mulher do antigo proprietário António Martins Lage, é o maravilhoso Parque Lage na rua do Jardim Botânico, no sopé do morro do Corcovado.
O Parque Laje tem uma floresta semisselvagem, cheia de caminhos frondosos e misteriosos, de lagos e de pequenas cascatas. Podia ser um cenário de Tolkien ou de Kippling. A verdade é que nunca vi lá um hobbit, mas sempre que o visito, acorda um pequeno e irrequieto Mogli em mim e sinto uma alegria tão grande que se torna difícil deixar o parque. Claro que o Jardim Botânico com a sua famosa Alameda das Palmeiras e os seu jardins desenhados a régua e esquadro também têm a sua beleza. Mas é uma beleza domada, dobrada, adaptada. Uma beleza que não explodiu na Natureza porque o homem não deixou. O Parque Lage é outra coisa, apesar do edifício imponente, respira-se ali uma atmosfera de liberdade.
Na vida há coisas que podem e devem ser desenhadas a régua e esquadro, mas há outras que não. Uma casa sim, uma árvore não. Um trabalho sim, um sonho não. Uma amizade sim, uma paixão não.
Nem tudo cabe numa caixa, num plano, num estereótipo. Na verdade, quase nada cabe porque avida é sempre outra coisa, o que é uma bênção para todos aqueles que acreditam que o plano é não ter planos e que por vezes navegar à vista leva-nos mais depressa a casa do que apanhar um avião de papel que só funciona na teoria. Os aviões também foram desenhados a regra e esquadro e não consta na história da aviação que alguma aeronave tenha resistido à força natural da rebentação marítima.