
Foi no concelho de Almada. Um militar dos comandos entra num café e pede a um conhecido que lhe ofereça uma cerveja. Este recusa. Trocam palavras mais azedas. Passado pouco tempo, o soldado está morto com dois tiros no peito pelo homem que se recusou a pagar a bebida.
A história é esta. Pode ser contada em mais palavras, porém, pouco importam as palavras para chegar ao fim fatal. A qualquer cidadão médio, com mediana sensatez, surge, de imediato, a pergunta: Matar por causa de um motivo tão fútil? Uma cerveja?
São vulgares estes crimes. Mais frequentes do que aquilo que se pensa. Matar por dá cá aquela palha, como diz o povo. Todavia, estes casos remetem-nos directamente para o papel predatório do homem na sua relação com os outros e com a natureza. Somos o único animal que mata sem necessidade.
Qualquer outro, só mata por razões muito específicas: para comer, para se defender quando se sente ameaçado, para proteger o seu território. Os homens são os maiores predadores da História universal. Aqueles que mais vítimas inocentes produziram. Os únicos que têm prazer na consumação da morte gratuita e, sem dúvida, sendo os únicos seres vivos com uma racionalidade organizada, matam irracionalmente.
Curiosamente, quanto mais evoluiu o conhecimento, a capacidade de interpretar o mundo e analisar cientificamente problemas de vida, sobretudo no domínio da saúde e direitos cívicos, maior foi o número de mortos fúteis. O séc. XX, que será reconhecido como o século da euforia científica, resolveu problemas extraordinários para afastar a morte e, simultaneamente, foi a centúria que mais mortos produziu.
Mortos gratuitos, diga-se. Só a Segunda Guerra Mundial contabiliza mais de cinquenta milhões. Que animal das cavernas é este que nos continua a habitar? É que a verdade criminológica é mais densa do que o juízo moral que façamos sobre este ou aquele homicídio. Como se fossemos estigmatizados por um pecado primordial. Seja por uma cerveja, seja para salvar uma vida, todos nós somos capazes de matar. É um dos grandes mistérios da natureza humana que ainda não conseguimos decifrar.