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Francisco Moita Flores
Francisco Moita Flores Piquete de Polícia

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Amnésias

Ainda não havia televisores por todo o País. O meu pai escutava uma qualquer estação de rádio clandestina e a minha mãe rezava. Recordo-me que, certa noite, quiseram apaziguar a minha inquietação de puto e pela primeira vez soube que havia um país chamado Cuba. No ar pairava a iminência da guerra total por causa de uns mísseis nucleares que ali estavam a ser instalados.
08 de maio de 2022 às 07:00
Vladimir Putin
Vladimir Putin Foto: Cofina Media

Eu era puto. Porém, aqueles dias ficaram marcados para sempre na minha memória. Foram os dias em que aprendi o medo através dos comportamentos dos meus pais. De tão assustados, ensinaram-me, sem perceber, o que é o medo da morte. Recordo-me que as aulas haviam começado nos inícios de outubro e dava os primeiros passos na 4ª classe. A minha professora estava tão assustada quanto os meus pais e fazia-nos rezar, antes de começar as aulas, para que Nossa Senhora de Fátima nos salvasse da mais terrível das guerras.

Ainda não havia televisores por todo o País. O meu pai escutava uma qualquer estação de rádio clandestina e a minha mãe rezava. Recordo-me que, certa noite, quiseram apaziguar a minha inquietação de puto – teria 9 anos – e pela primeira vez soube que havia um país chamado Cuba. No ar pairava a iminência da guerra total por causa de uns mísseis nucleares que ali estavam a ser instalados. Não sabia de que tamanho era aquela guerra que os preocupava mais do que a guerra colonial que começara, em África, no ano anterior. Lembro-me, como se fosse hoje, de ver as imagens de Hiroxima e de Nagasaki recortadas de velhos jornais. Duas bombas atómicas, apenas duas, tinham devastado até ao tutano das pedras as duas cidades japonesas. A demonstração de tanta potência destruidora habitava nas memórias de então com sentimentos contraditórios. Com alívio, porque puseram termo à Segunda Guerra Mundial, com preocupação, pois fora apresentada ao mundo a mais terrível arma de destruição maciça construída pelo Homem.

Kennedy e Khrushchev discutiram até ao último minuto se o mundo acabava naquele outubro de má memória e perceberam que a guerra nuclear não fazia sentido. O extermínio da vida no planeta era um dano que nenhum país, nenhum presidente, nenhuma pessoa aproveitaria porque, no final, estaríamos todos mortos.

É espantoso como 60 anos depois desses dias de todos os medos, ainda haja especialistas, peritos, políticos, comentadores que discutam, novamente, a possibilidade de uma guerra nuclear. São gente amnésica que esqueceu as fotos de Hiroxima e Nagasaki. Ou, tão simplesmente, gente sem alma.      

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