
A perda que o País sofreu, obriga-me a escrever sobre afetos, cumplicidades, a grandeza da memória. O Teatro, desde que se conhece o teatro, é a mais explosiva das interpelações à nossa condição e natureza humana. O palco é um mediador entre as palavras e as ações desenvolvidas pelos atores com a finalidade de nos contaminarem, de divertirem, de nos provocar as mais desencontradas emoções, de nos interpelarem sobre os nossos próprios caminhos existenciais e aqueles que trilhamos coletivamente. O teatro potencia a imaginação, provoca o nosso imaginário, atira-nos para o território do fantástico e, sobretudo, confronta-nos com a nossa memória.
É um exercício prodigioso que percorre a história da Humanidade. Os povos e as culturas que estimularam o teatro são, na verdade, os mais desenvolvidos, os mais cultos, aqueles que possuem um melhor conhecimento de si próprio, pois ele é a vida.
Para que se transforme numa arte inigualável, que se expressa durante a representação e morre com os aplausos do público, para que ganhe força para lá dos palcos e das salas de espetáculo, não lhe bastam bons textos, nem bons encenadores. Precisa dos atores. Dos homens e das mulheres que conseguem transcender-se, ir para lá da materialidade dos movimentos e ações, impregnando as personagens a quem emprestaram os corpos de uma exaltação e força que torna impossível esquecê-las.
Temos poucos grandes atores e atrizes. O Poder despreza o teatro, sempre o temeu porque inquieta, perturba, provoca, desestabiliza e, perigosamente, ensina caminhos e percursos de liberdade. Não espanta que não integre os programas escolares desde as mais tenras idade.
Por isso, que a morte de Eunice Muñoz nos perturbe. E magoe. Porque ela, peça a peça, personagem a personagem, foi construindo a excelência, tornando-se um farol para colegas e público. Partiu envolvida pelo amor de Portugal. Por gratidão e aplausos, pois ela encarnou o que de melhor dá sentido à experiência humana. Não tenho dúvidas: Eunice descansará no esplendor da Luz Perpétua por que ela é a luz perpétua da criação artística.