
Foi há quarenta e três anos. Aquele abril trazia sol no ventre. Uma esperança iluminada que sacudiu o País abrindo as mãos cheias de humanidade e de sorrisos. Aquele Abril cheirava a cravos e a sonhos. Um ponto final no tempo negro, feio, onde a liberdade tinha prisões, os livros escondiam-se, por serem proibidos, as palavras consideradas perigosas, riscadas a azul, interditas a qualquer jornal. Um tempo ruim, feito de guerra, medo e fome e aquele abril prometia claridade em todas as madrugadas que se lhe seguissem. Foi a Festa. Nesse ano, as flores da primavera, nasceram com um singular sorriso nas pétalas. Ia cumprir-se o desígnio do poeta António Gedeão: o sonho comandaria a vida.
O tempo chegou aqui e a História não pode ser injusta. O Portugal de hoje está bem distante do outro Portugal mirrado pelo medo. Não foi só o país que mudou. A acelerada transformação do mundo, graças às novas tecnologias, introduziu outra velocidade à mudança. Multiplicaram-se as escolas, as estradas e hospitais. O flagelo do analfabetismo caiu, a infelicidade da mortalidade infantil diminuiu drasticamente, a Europa escancarou as portas e os nossos olhares tornaram-se mais longínquos. As flores deram bons frutos e esse já longe abril foi farto e esperançoso.
Porém, a felicidade é apenas um momento. Nunca é a eternidade. Para trás, também ficaram feridas e prantos e sementes malignas de traição aos sonhos de Gedeão. Como fantasmas surgidos das penumbras do passado, os caciques regressaram, embora com farpelas democráticas, os predadores instalaram-se, aos poucos a miséria regressou, uma nova violência nasceu, o País falido entregou-se aos credores, a soberania falida submeteu-se aos que mandam em Bruxelas, a ausência de carácter e honradez dos novos senhores atirou-nos para o poço dos pesadelos. A felicidade deixou de passar com tanta frequência por aqui. Valeu a pena a caminhada? Valeu. Mas precisávamos que esse Abril das flores regressasse outra vez para nos amamentar com esperança.