
A violação é dos crimes mais repugnantes da nossa arquitetura judicial. Infelizmente, devido a persistentes preconceitos, fica muitas vezes sem atenção do sistema repressivo porque as mulheres guardam para si, não estão disponíveis para participar, incapazes de expressar a violência de que foram vitimas devido a fortes sentimentos de culpa, censura social, conflitos conjugais. Por estes motivos, a violação ainda persiste como um dos crimes que habita nas cifras negras, deixando que violadores sem escrúpulos continuem à solta, à caça de novas vítimas.
Mas nem sempre é assim. Cada vez são mais as mulheres que não se calam, que fazem das fraquezas, forças para impor a exigência de Justiça contra aqueles que as humilharam e ofenderam.
É o caso do chamado violador de Guimarães que ouviu por estes dias a sentença a que foi condenado pela violação sucessiva de dez mulheres. Vinte anos de prisão!
A CMTV fez uma reportagem sobre as vicissitudes deste processo que, agora, chegou ao fim. Para além de mostrar como é difícil de investigar um crime desta natureza, onde não há testemunhas, onde as vítimas em choque e traumatizadas não conseguem descrever o agressor, há um padrão comum em todos os casos: a violência física brutal que é infligida pelo atacante à sua presa. Caçadores errantes, solitários, atacam de surpresa, indiferentes à dignidade de quem atingem com os seus atos cobardes.
Existem teorias preventivas da violação. Uma delas pede às vítimas que não resistam, que aproveitem aquele tempo de sofrimento para fixar os traços físicos do agressor de modo a ser mais simples para as polícias identificar o predador. É fácil de escrever, mas muito difícil de corresponder a este apelo.
Conheci um único caso, de uma cidadã estrangeira que se encontrava em Portugal que teve sangue-frio para fixar e descrever minuciosamente os traços físicos do seu violador. Foi de tal modo eficaz que, passadas poucas horas, o indivíduo estava detido. Todavia, a maioria das vítimas não tem esse sangue-frio e compreende-se. São apanhadas de surpresa, o instinto de sobrevivência sobrepõe-se à racionalidade, o medo inibe a clarividência e o agressor escapa-se sem deixar rasto suficiente para a retaliação judiciária. Não foi o caso de Guimarães. A PJ foi construindo o caso conforme as violações se sucederam e a história terminou bem, mau grado os traumas e sequelas que ficaram na vida das vítimas. Este, pelo menos durante 20 anos, não incomoda ninguém.