
Ler os relatórios da Associação de Apoio à Vítima torna-se sempre uma marcha pelos territórios da vergonha e do horror. Todos os dias, uma média de 25 mulheres acorre a esta instituição a pedir ajuda. Vítimas de espancamentos, de abusos sexuais, de violações e outro punhado de crimes que as torna em gente perdida, desorientada, incapaz de se defender de agressões brutais onde os maridos, companheiros, namorados são os agressores na sua grande maioria.
Se a este mar de gente indefesa somarmos aquelas que, ainda, se escondem na cifra negra, incapazes de denunciar a agressão, estamos perante um flagelo que continua a assolar a sociedade portuguesa sem que se vejam medidas de proteção e de prevenção que acuda às vítimas de hoje e desacelere este processo no que respeita ao futuro.
O poder político passa sobre este assunto como cão por vinha vindimada. Indiferente, atirando-lhe para cima alguma retórica vazia sem consequências materiais visíveis. As escolas cumprem programas de Cidadania, carregados de preconceitos ideológicos, tratando a violência doméstica como um subcapítulo da matéria como se ela não fosse, em si própria, tema para um programa inteiro e intenso de aprendizagem.
Estamos perante o problema mais grave, no que respeita à violência, que afeta a sociedade portuguesa. Um problema que destrói famílias, que destrói o equilíbrio psicológico de crianças, que destrói mulheres que, em casos mais radicais, acabam por ser assassinadas.
Sabe-se que mais de trinta mil mulheres, anualmente, apresenta queixas de violência doméstica. É um vendaval de mulheres agredidas. E o facto de, com o decorrer dos anos, terem ganho coragem para participar os crimes de que são alvo não passa de um pequeno passo que permite conhecer melhor a situação. Na verdade, aquela que devia ser a utopia dominante neste território acreditava que podemos viver numa sociedade em que os direitos das mulheres são iguais aos dos homens. Uma utopia, é certo. Contudo o corredor pelo qual deveríamos seguir com coragem, sem desleixo, com firmeza, a caminho da Liberdade. Não há desculpas para que não seja por aqui o nosso encontro com o futuro.