
Não deixa de ser um sarcasmo cruel, aquele que se abateu sobre Putin, quando um comando terrorista do Estado Islâmico invadiu e matou a eito dezenas de civis inocentes que assistiam a um espetáculo no Crocus City Hall, nos arredores de Moscovo. Caiu-lhe no colo um pedaço da barbárie que tem levado à Ucrânia. Como se não bastasse, os terroristas do Isis-K foram enlutar a enorme encenação que acabara de ter lugar com a farsa de um ato eleitoral que lhe garantiu quase noventa por cento dos votos.
Como qualquer ditador, o presidente russo é narcisista. Olha-se no lago de sangue que tem derramado à sua volta e acha-se belo, um deus quase perfeito e qual Nero, dos nossos tempos, incendeia os opositores que lhe poderia fazer frente, matando-os um a um sem apelo nem agravo.
Não se deseja a ninguém, a nenhum povo, a nenhum Estado que lhes caia em cima o terror apocalíptico do terrorismo. Há um sentimento de solidariedade internacional que nos torna semelhantes perante qualquer ataque desta natureza, seja em Moscovo, em Nova Iorque, em Paris, em Madrid ou em Cabul. Resulta da natureza humana o horror à morte, sobretudo à morte sem motivo.
Porém, nem este laço que nos une contra a morte, Putin consegue deixar de ser impiedoso. O discurso que fez aos russos e ao mundo desprezou essa solidariedade, insinuando, sem provas, que a mãe Rússia fora objeto de um vil atentado com origem na Ucrânia. A sua verdade acima de qualquer verdade. O seu trono acima de qualquer explicação racional. Apenas ao serviço dos seus objetivos. Nem mesmo a reivindicação do ataque pelo grupo terrorista, passando nas redes sociais imagens da chacina, fez o ditador reapreciar a realidade.
É desta massa que se fazem os bárbaros de hoje. E é de temer quem, em verdadeira alucinação, se sente o invencível herói do mundo.
Resta-nos, para já, olhar os acontecimentos de Moscovo com decência intelectual. Eles são o sinal de que o terrorismo apocalíptico está vivo e sempre pronto a matar. Que os países com alguma higiene política não se esqueçam disso.