Jorge Costa: o "bicho" que se "refinou". Da madrugada polémica que resultou em divórcio aos grandes amores e sonhos que ficaram por cumprir
Em jogador era conhecido como o 'bicho'. Com o coração ao pé da boca, explodia em campo, num feitio incendiário que se colaria a si como uma segunda pele. No entanto, como treinador, iniciaria uma nova vida, onde assume que se refinou. Enquanto percorria os quatro cantos do mundo, aprenderia às próprias custas que a vida é para ser levada com calma, não sem antes ter somado polémicas pelo caminho. Como uma mancha fica o divórcio da mulher Isabel, com suspeitas de agressão à mistura, ainda que a vida lhe tenha dado uma nova oportunidade para voltar a amar. Por cumprir ficam vários sonhos, entre o desejo de tomar o lugar de Pinto da Costa, o de ser veterinário ou de acompanhar os filhos nas suas conquistas, eles que sim, foram sempre o seu verdadeiro amor.Estávamos em 2006. Jorge Costa tinha passado os últimos 15 anos a jogar ao mais alto nível e, depois de pendurar as chuteiras no Standard de Liège, na Bélgica, começou a fazer planos para a reforma. Queria, pela primeira vez, ter tempo para gozar o dinheiro do futebol e não foi de modas: comprou um barco com dois quartos e foi precisamente quando já se imaginava a apanhar sol na proa que recebeu uma chamada de Jorge Mendes, se por acaso não estaria interessado em treinar o Braga. Costa nem pesou bem os prós e os contras, deixou para trás o apelo de uma vida leve e embarcou na aventura seguinte, ser treinador de futebol.
"Eu não sabia muito bem aquilo que iria fazer. O que aconteceu foi que acabo a minha carreira no Standard de Liège e regresso a Portugal. Entretanto, queria aproveitar um bocadinho a vida. Ao contrário daquilo que as pessoas possam pensar, um jogador de futebol tem um vida muito intensa, poucas férias, não tem fins de semana, feriados. Então comprei um barco. Entretanto, recebo uma chamada do Jorge Mendes com a possibilidade de ir para adjunto do Braga e iniciar a minha carreira como treinador. Estava a tirar o nível dois. E pronto, foi automático, acho que nem pensei, não foi a parte financeira de todo que me levou a aceitar, o que me levou a aceitar foi a falta que o futebol me estava a fazer", contou em entrevista ao 'Expresso'.
Estava a um passo de começar uma nova vida, tão entusiasmante como a sua carreira de futebolista, e que ao longo dos anos seguintes o levaria a viver em países tão diferentes como Roménia, Chipre, Gabão ou Índia e o faria mudar o seu mindset. Se enquanto jogador, era conhecido pelo seu feitio explosivo, tendo como alcunhas "bicho ou tanque", como treinador teria de passar a ser o 'homenzinho' da casa e a controlar as emoções. "Controlar as emoções foi o mais difícil. Mudar o chip, perceber que já não sou mais jogador e que sou treinador. Esta gestão emocional na forma como falava com eles foi o mais difícil", assumiria.
O seu terceiro filho, fruto do casamento com a companheira de sempre, Isabel, nasceria já na sua nova vida como treinador, quando estava no Sp. de Braga, mas por essa altura Jorge Costa desconhecia que a nova etapa da carreira lhe traria renovados desafios pessoais: 2012 seria o ano em que assinaria o divórcio com a mulher.
Apesar de publicamente terem dito que o fim do amor foi pacífico, a polémica estoirou e atravessou fronteiras. Jorge Costa estava a treinar o Cluj, da Roménia, quando notícias davam conta de que teria agredido a mulher com socos, depois de ter passado a noite a celebrar uma vitória do clube numa discoteca. Isabel também teria estado no espaço, mas deixou o bar mais cedo, sendo que a discussão terá ocorrido quando Jorge Costa chegou a casa. "Ninguém sabe como tudo começou, mas ele atingiu a mulher com socos", revelou uma fonte, acrescentando que Isabel Costa acabou por sair de casa e deslocar-se à esquadra da polícia onde pediu ajuda.
No entanto, a mulher nunca formalizaria a queixa por violência doméstica e desistiria dos exames que indicaram que fizesse para comprovar os atos bárbaros e a história que os dois contaram mais tarde é que o divórcio teria ocorrido de forma pacífica, sem lugar a dramas, acima de tudo pelo bem-estar dos três filhos - David, Guilherme e Salvador - orgulho de Jorge Costa que inscreveu o seu nome na pele.
UM AMOR COM O SELO DE ÁFRICA
O ano na Roménia é, talvez, aquele que da sua carreira Jorge Costa preferiria nunca recordar. O drama familiar ficaria colado a essa época e seriam precisos alguns anos para o treinador se conseguisse reerguer. Passaria pelo Chipre e, curiosamente, foi quando o futebol o levou até África, para treinar o Gabão com um contrato milionário, que o amor lhe bateu novamente à porta, com o treinador a apaixonar-se perdidamente por Estela, o último grande amor da sua vida.
Em África, Jorge Costa viveu como que uma lua de mel e um conto de fadas. Com todos os luxos disponíveis, seria nessa aura de encantamento que se perderia de amores por Estela. "África mudou a minha vida completamente por vários motivos. Porque conhece-se uma realidade completamente diferente. Viver em África foi fantástico, vivi num país muito bom, um país grande, onde tinha todas as condições. Vivia numa casa fantástica, com piscina, tinha todas as condições de qualidade de vida. A nível pessoal aconteceu-me a melhor coisa que podia ter acontecido na vida, conheci a minha atual mulher. Foram dois anos e meio fantásticos que infelizmente acabaram, porque por mim ainda lá podia estar. Fui muito feliz", afirmou.
Experiências de quem viveu sempre sem medo de arriscar e nunca teve receio de cruzar fronteiras, por mais distantes que essas fossem do seu eterno Porto. Até terminar o seu percurso desportivo, ainda passaria por países tão diferentes como Tunísia ou Índia, uma aventura inusitada, que recorda com um misto de emoções.
"O primeiro impacto difícil, difícil. Cheguei a Mumbai à noite, um aeroporto fantástico, quando saio do aeroporto um trânsito... E estamos a falar às duas da manhã, estamos a falar de uma cidade com 20 milhões de habitantes e um trânsito... Eu pensei, este é um novo Mumbai, portanto deve ser uma coisa mais moderna... Esquece. Nós estávamos bem instalados num condomínio fechado, mas quando saíamos, era lixo na rua, uma pobreza… Mas é de extremos. Tens hotéis fantásticos de cinco estrelas, tens Ferraris, tens Lamborghinis e depois tens a maior favela da Ásia. E estávamos a nove ou dez quilómetros do centro. Só que para fazer esses nove ou dez quilómetros demorávamos. no mínimo, 01h45 a chegar lá. Portanto a minha vida social era zero: treino, condomínio, condomínio, treino. Cada vez que queríamos ir jantar fora perdíamos a vontade", contou ao 'Expresso', acrescentando ter sido uma experiência ainda mais difícil por ter sido vivida a solo e longe da mulher.
"O que mais senti foi a falta da família, de poder ir dar uma volta pela cidade e tomar um café. Faltou-me muito um bife, em Mumbai não se come carne de vaca, senti muita a falta de um bife [risos]. Mas depois adorei. Eles têm muito respeito pelas pessoas, então por mim era sempre com o "sir", "sir, sir, sir", o que fez com que eles se retraíssem um bocadinho naquele primeiro contacto. E eu senti-me um bocadinho isolado; depois percebi que eles não falavam comigo por respeito, por medo quase. Quando começámos a tornar as relações mais próximas foi bom."
AMIZADES E SONHOS POR REALIZAR
O futebol deu-lhe mil experiências, fê-lo conhecer o mundo, ganhar rios de dinheiro – que garante ter investido em imobiliário – mas deu-lhe também amizades para a vida, como aconteceu com Sérgio Conceição. Com dois feitos explosivos, os dois acabariam por se unir da forma única como só os iguais se atraem numa ligação mantida até ao último suspiro. "O Sérgio é o meu melhor amigo, isto quer dizer que o conheço muito bem, é dos melhores seres humanos que eu conheço."
Muitos dizem, aliás, que os dois podiam ver-se em espelho: explosivos no feitio, mas com um coração de ouro, embora Jorge Costa assuma que se tenha "refinado" com o passar dos anos, que viveu intensamente, porque mesmo que não o adivinhasse para si, já se sabe que a vida é curta, e a sua terminaria de forma trágica, aos 53 anos, sem que tivesse tempo para se aperceber quando os primeiros sinais vieram e se sentiu mal no Olival, centro de treinos dos dragões, entrando em paragem cardiorrespiratória.
Cumpriu muitos sonhos, deixou outros por realizar, como um dia ser sucessor de Pinto da Costa, ou ser veterinário, como sonhava ainda menino e que, de alguma forma compensou tendo coelhos, papagaios, gatos, peixes, tartarugas e, claro, Ralf, o pastor alemão e melhor amigo, que agora fica órfão de um dono que em Portugal deixará também saudades e será eterno no coração de muitos.