
Dois dias depois de ser acusado de 31 crimes, entre os quais corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, o antigo primeiro-ministro e figura principal da Operação Marquês, José Sócrates, deu uma entrevista à RTP1.
A estação pública reservou para o programa 54 minutos do horário nobre, entre as 21 e as 21:54, sem intervalos, e escalou o jornalista Vítor Gonçalves para o trabalho. Foi bem visível que a direcção de Informação do canal preparou tudo com muito cuidado, o que se percebe, já que, em qualquer caso, esta entrevista acabaria sempre nas luzes da ribalta.
Esteve bem a RTP na preparação do cenário, com quatro pilhas de folhas em cima da mesa, correspondentes à totalidade do texto da acusação. Um dispositivo cénico bem conseguido. Esteve bem a RTP, também, na preparação do conteúdo: as perguntas estavam escritas, o jornalista tinha a pose, grave e séria, bem estudada. A entrevista teve muito conteúdo: Sócrates foi confrontado com diversos factos da acusação, e também com algumas das contradições das suas respostas (com uma excepção relevante, a do arrendamento da segunda casa em Paris, que aconteceu como resposta à investigação jornalística do CM).
No tom não pareceu, mas, no conteúdo, foi uma entrevista agressiva. As perguntas finais mostram que Sócrates já não estava habituado a ser confrontado com um discurso jornalístico, confundido pelas conversas tépidas que tem tido, sobretudo na TVI. Resultado: quando colocado perante um jornalista, José Sócrates espalhou-se ao comprido. Eis a diferença que faz o jornalismo.