
São imagens vindas do inferno, aquelas que as televisões nos mostram das matas e das florestas em chamas. Monstruosamente belas, magníficas e assustadoras. Depois chegam as imagens dos povos dos campos. Em desespero, procurando iludir a impotência com alguns baldes de água com que, em vão, tentam espantar a besta de fogo. É tanto o sofrimento, o conformismo dos vencidos, as lágrimas de derrota que dói na alma de quem testemunha a tragédia. Depois chegam imagens mais sinistras. Bombeiros envoltos em fumo e cinzas pisando os territórios do Demo, sombras chinesas enroladas com as chamas, valentes, silenciosos, vergastados pelo cansaço, olheiras fundas, nos limites das forças.
Depois, como se mudássemos para um mundo perfeito, doce e inteligente, surgem os explicadores, longe da brutalidade do recontro com a morte, confortáveis, comentando tragédias, entrecruzando análises, tranquilos nos seus saberes perfeitos, mas incapazes de parar o apocalipse.
São as alterações climáticas, é o combustível depositado nas florestas, é a falta de cadastro, é a ausência de planeamento, é a negligência dos usufrutuários dos solos, são os incendiários. É tanta coisa que o equilíbrio se restabelece perante a evidência mais dura: O fogo é o nosso companheiro habitual em cada verão das nossas vidas. Muito ou pouco ameaçador, instala-se, alimenta-se, mata, se for necessário, e depois segue para outras paragens.
E é injusto. Atinge os mais fracos, despedaça a vida dos mais desfavorecidos, empanturra-se na imensa solidão florestal onde já não restam muitos homens, nem ovelhas, nem cabras e onde as hortas minguam à falta de água e de quem delas trate. Dois terços do País são solidão, velhice, sexo fácil complacente às chamas. Há décadas que se sabe que este convívio com o fogo é injusto. Que a desertificação humana do interior expõe populações fragilizadas à voracidade dos incêndios. Faltam investimentos nesses territórios do Demo. Falta riqueza. Falta gente. Por aqueles lugares crescem Lares para idosos e desaparecem as maternidades. Cresce o mato e o silêncio. O ventre mais fértil para todos os fogos. As terras onde no final de todas as tardes o céu se torna vermelho. Lágrimas de sangue e sofrimento. E de saudades. É urgente que os homens regressem a este País órfão de alma.