
As notícias multiplicam-se diariamente. De norte a sul, durante a noite, durante qualquer festa, à entrada de discotecas, romarias, sem uma geografia precisa que possa prevenir os eventos, surgem conflitos, rixas, agressões, violência gratuita por motivos fúteis e em que jovens de várias idades são assassinados, esfaqueados, atropelados, espancados.
O que faz disparar o fragor das contendas? A esmagadora maioria das vezes, não existe uma ideia prévia daquilo que agressores querem fazer e, nem mesmo, que a sua predisposição para estes eventos os habitasse. Tenho poucas dúvidas de que o contexto geral no qual se desencadeiam estas ações criminosas, de norte a sul, tem como pano de fundo o confinamento prolongado, a repressão/clausura que nos afastou uns dos outros, por necessidade sanitária, e foi reprimindo a fome social que habita em cada ser humano. E, agora, estamos a reagir como uma panela de pressão que, no topo da fervura, lhe retiraram o pipo. Há uma espécie de euforia descontrolada, que não poucas vezes, se torna numa euforia criminosa que resulta da necessidade de recuperar tempo perdido. Esta necessidade desenfreada de viver, de recuperar o tempo perdido, ganha dimensões radicais no consumo do álcool, de drogas cuja consequência imediata é a quebra das regras de autocontrolo, do disparo da agressividade que rapidamente se transforma em violência.
Não é estranha a esta euforia o paradoxo que se vive na sociedade portuguesa. Vivêssemos em tempos anteriores ao confinamento e o vertiginoso aumento dos combustíveis, da energia, do custo de vida, a inflação que vai tornando os pobres mais pobres, o caos hospitalar, já teria provocado reações sociais de protesto, muito possivelmente de protesto rijo.
Na verdade, existe praticamente um silêncio ensurdecedor sobre estes graves problemas, pesem as horas de comentário, de análise e guerrilha política. A euforia da emancipação do confinamento vai muito para lá da necessidade de confronto com os problemas reais, provocando efeitos de alienação onde aquilo que interessa é fugir a esta realidade através da festa, do prazer, da emoção imediata, da cerveja, dos psicotrópicos, do vinho, que entregam uma noção de que a velha palavra de ordem da propaganda inicial, no combate contra a Covid, está incrustada no viver coletivo: Vai ficar tudo bem! Vai mesmo?