
Chegou o tempo da brasa. Repetem-se os conselhos, regressam as mesmas imagens infernais feitas de fogo e fumo, reacendem-se as discussões sobre as alterações climáticas. A procura da praia, das viagens, essa procura da utopia, projeção idílica do paraíso na Terra, entope estradas, aeroportos, enquanto o calor entorpece os caminhos de ferro, acrescentando risco ao risco.
Bebam líquidos, não façam lareiras, protejam a floresta, são frases tantas vezes repetidas que, se estivéssemos atentos, há muitos anos que beberíamos muitos líquidos, não faríamos lareiras e protegeríamos as florestas contra a possibilidade de incêndio. Porém, todos os anos se repetem as mesmas realidades e os mesmos conselhos como se, findo o verão, fossemos acometidos por uma amnésia coletiva que esquece os danos e o sofrimento que habitam nestes meses de braseiro.
É o terrível relógio do tempo que nos induz ao esquecimento e, por isso, que seja necessário repetir, como se fosse o primeiro verão das nossas vidas, os cuidados e prevenções face às vagas de calor.
A seguir, quando se arrumar o ruído desta época, já sabemos qual vai ser o mote dos próximos noticiários: A tragédia da seca. Dos rios que deixaram de correr, das albufeiras exangues, dos bombeiros carregando água para pessoas e animais até que a chuva dê sinais de vida e devolva alguma paz a um país comandado por sortilégios do tempo. O país que parece ser comandado pela tríade dos 30. Quando a temperatura escala este número, quando o vento o ultrapassa, quando a humidade não lhe consegue deitar mão, Portugal fica nu. Exposto às suas maiores fragilidades, débil como um arbusto ressequido, cansado como um velhote esclerosado.
Arde, deixa-se arder e fica à mercê de pirómanos. É neste tempo que se torna urgente proteger os mais idosos e as crianças. Quem trabalha ao ar livre, evitando as horas de maior calor. Um tempo paradoxal em que se espera o sol, para cuidarmos da sombra. Não venha a desidratação, não chegue a hipotensão, não definhe a vida levada por um golpe de calor. Sobretudo precisamos de poupar gente, embora cada vez mais envelhecida e anémica e esperar que um dia, mais cedo do que tarde, chegue uma chuvada de crianças que rejuvenesça o País e dê outro sentido ao tempo que o tempo de hoje não tem.