
Como começa uma história de amor? De mil maneiras.
Um grande amigo de infância está casado há mais de vinte anos com a mulher da vida dele, foram apresentados por um cão. O cão dele. Chamava-se Sebastião. Era um basset-hound pesado, arrogante e antipático que pensava que era uma pessoa. Gostava de ver o canal Panda ou o National Geographic e amuava quando o meu amigo mudava para as notícias ou o futebol. Retirava-se da sala num trote sentido e deitava -se na sua alcofa na cozinha. Até aí tudo bem. Mas depois começava a uivar. Era um cão muito chorão. O meu amigo costumava contar-lhe uma história inventada, que o tinha apanhado num bairro de periferia faminto e maltratado e o cão uivava enquanto ouvia o relato. A sério.
Dada a personalidade temperamental e a ausência de elegância do Sebastião, era impensável que alguma criatura viva se apaixonasse por ele, mas como muitas vezes sucede na vida, o impensável aconteceu.
O meu amigo morava perto da praça de Londres e tinha o hábito de tomar o pequeno-almoço ao fim de semana na esplanada da Pastelaria Mexicana. Numa manhã de nortada, foi o Sebastião quem deu o sinal de alarme: ao longe desenhavam-se duas silhuetas elegantes e magníficas, coquetes, femininas, irresistíveis. Isabel e a sua cadelinha Mimi chegavam ao mesmo lugar para cumprir o mesmo ritual. O meu amigo decidiu tentar a sua sorte é assim que as damas se sentaram, mudou de mesa para se posicionar mais perto. Os cães fizeram o trabalho todo.
Seis meses mais tarde fui ao casamento e os quatro viveram felizes para sempre.
Que engraçado dizeres-me agora que estavas nesse casamento e que passaste o copo de água a olhar para mim. Parece que até dançámos juntos, não foi?
Vinte anos mais tarde voltei a ver-te em casa da Rita, mas não te reconheci. O teu sorriso tímido e discreto fez-me sentir em casa, o teu corpo perfeito de campeão provocou-me arrepios no pescoço e as tuas mãos, então essas, nem conseguia deixar de olhar para elas. Tão lisas, tão proporcionadas, tão elegantes, como tudo em ti.
Não me largaste mais, estavas sempre por perto, todo solicito, a perguntar se queria mais água - nenhum de nós bebe álcool – se me apetecia repetir a mousse – somos ambos loucos por chocolate – se eu precisava de boleia para casa. Eu ía-te respondendo por educação, sem saber o que pensar, enquanto o meu coração cansado batia um bocadinho mais depressa. O que fazer com um campeão de ténis, pensava eu com os meus botões, logo eu que nunca liguei a competições e nunca consegui aprender a contar os pontos ?
A verdade é que foste marcando mais pontos com a tua atenção, o teu cuidado e a tua disponibilidade que se transformaram em carinho, tempo e afecto. Deixei-me ir como alguém que está tão exausto que só chega ao seu destino se for levado ao colo.
Se queres mesmo saber como me deixei levar, foi durante o nosso terceiro jantar, quando pegaste na minha mão com todo o cuidado e disseste:
Bárbara, sei que ainda não nos conhecemos bem e por favor não leves a mal o que te vou dizer, mas em circunstância alguma da tua vida podes deixar que alguém te ponha a pata em cima. És o tipo de mulher que qualquer homem ambiciona e deseja, imagina-te num pedestal porque é esse o teu lugar. E quem te mereça tem de lutar para subir.
Perante o meu ar estupefacto, concluíste :
Vou repetir isto as vezes que forem precisas até interiorizares o que te estou a dizer.
Tive vontade de entrar na máquina do tempo para voltar ao dia do casamento do meu amigo e ficar desde esse dia a dançar nos braços para sempre. Mas talvez não. Talvez ainda não estivesse preparada para se feliz.
Às vezes tens de passar por muita merda para dar valor às coisas verdadeiramente importantes na vida. Só aprecias um tipo dedicado,querido e disponível se tiveres passado pelas patas de um egocêntrico, egoísta e indisponível.
Para a semana vamos para Formentera onde nunca fui. Quero viajar contigo e fazer tudo o que me apetecer contigo ao lado. Talvez aprenda a contar pontos, enquanto tecemos todos os dias uma vida nova com as tuas mãos nas minhas e o teu coração de campeão a bater mais devagar, sossegado pelo meu.