'
FLASH!
Verão 2025
Compre aqui em Epaper
Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

Notícia

Ó gente da minha terra

Eu sei que o meu mundo é feito de palavras com as quais construo histórias, romances, crónicas e ficções e que as palavras não têm a capacidade de resolver tudo. Sempre disse que um médico faz muito mais falta do que um escritor, e agora acrescento e um bombeiro também faz, mas já aprendi que cada um de nós pode fazer a diferença se não ficar calado.
20 de outubro de 2017 às 15:47
Incêndios, fogos, pânico, calamidade, país em chamas
Incêndios, fogos, pânico, calamidade, país em chamas Foto: Lusa

Quando enfim a chuva começou a cair, ajudando a apagar as brasas do flagelo que destruiu 493 casas, matou mais de 100 pessoas e 84 mil animais, quando enfim o Presidente falou, quando enfim a Ministra incompetente se demitiu e o primeiro-ministro sem empatia pediu desculpa ao país, quando enfim a Assembleia da República fez um minuto de silêncio, aos poucos, fomos sossegando o coração. Aqueles que o podem fazer, a quem a casa não ardeu, os familiares não morreram ou perderam o trabalho de uma vida.

Mas é impossível não pensar nos que não escaparam ao fogo e à inércia e desorganização do Estado e dos meios que devia ter lá estado a lutar e não estavam. É impossível não pensar em todos os bombeiros e cidadãos anónimos que arriscaram a vida a combater a chamas, a levar os vizinhos idosos para lugares mais seguros, a fazer tudo o que puderam para salvar o próximo. É impossível não pensar como é que num só dia, o mais perigoso do ano, por ser o

mais quente e com o vento mais forte, num golpe de magia negra estavam 500 fogos ativos ao mesmo tempo. Quem anda a brincar com Portugal?

A ausência de empatia não é apenas o grau mais elevado do egoísmo, é um sintoma de uma patologia profunda. Quem não é capaz de entender o sofrimento alheio, não é capaz de fazer nada decente na vida. Quem não sabe pedir desculpa, quem não sabe ouvir o coração, quem não quer ver as lágrimas dos outros, quem só consegue pensar nos seus interesses e no seu bem-estar, não merece o respeito do mundo, porque não respeita o mundo.

Eu sei que o meu mundo é feito de palavras com as quais construo histórias, romances, crónicas e ficções e que as palavras não têm a capacidade de resolver tudo. Sempre disse que um médico faz muito mais falta do que um escritor, e agora acrescento e um bombeiro também faz, mas já aprendi que cada um de nós pode fazer a diferença se não ficar calado. O silêncio é de quem consente, de quem não enfrenta, de quem não tem coragem, de quem não tem força. O silêncio por opção é sempre sinal de fraqueza. As palavras servem para ser ditas, por mais que doam a quem as diz e a quem as ouve. E não pense quem as ouve que quem as diz não sofre.

Esta semana as minhas palavras não contam uma história de amor, em vez disso uso-as para um manifesto contra o desamor. O desamor instalado que se manifesta na apatia, na indiferença, na nossa capacidade de tantas vezes desculpar o indesculpável. A nossa maior qualidade enquanto povo é a brandura, não podemos deixar que seja também o nosso maior defeito. Não podemos deixar-nos ir no deixa andar. Temos de ser mais fortes, honrando os resilientes, os heróis nacionais do Norte e do Centro, os anónimos que aguentaram o Inferno e continuam a viver nele.

O que está a acontecer em Portugal é muito grave. Quando o poder político está mais preocupado em manter a Geringonça de pé do que em governar o país, está na hora de gritar "Basta". Não é a minha cor política que me faz escrever palavras duras, é a minha revolta enquanto cidadã e a meu orgulho em ser portuguesa, é o amor imenso e incondicional que tenho pelo meu país no qual pude crescer em paz e realizar os meus sonhos, o Portugal que apaixona o mundo e que não se sabe proteger. O país dos pastéis de nata, do CR7, da Mariza e do Siza Vieira, do Salvador e dos abraços. Não somos melhores nem piores do que os outros,

somos únicos.

Não posso calar-me quando as grandes tragédias assolam a gente da minha terra, da terra que é afinal de todos nós, e não de quem não a sabe proteger. Portugal é de todos, cada um deve pensar o que sabe fazer melhor para que Portugal não se cale.

Leia também
Leia também
Leia também
Leia também
Leia também

você vai gostar de...

Mais notícias de Pessoas Como Nós

A menina Clarinha e eu

A menina Clarinha e eu

Não sei quantas vezes tentei esquecer-te, talvez menos do que tu e mais do que o meu coração aguenta, a única que sinto é que, cada vez que a dou espaço à razão, o meu coração começa a encolher-se como um bolo sem fermento, a vida fica sem açúcar e os dias sem sabor.
Mergulhar no futuro

Mergulhar no futuro

Agora, enquanto a ameaça da pandemia pairar sobre Portugal e o mundo, espero pacientemente por aquele momento mágico em que vou poder voltar a mergulhar no mar. A vida ensinou-me a mergulhar no futuro, mesmo quando o futuro é um lugar vago e incerto.
Com cinco letras apenas

Com cinco letras apenas

É engraçado como as palavras mais belas e mais importantes têm três, quatro ou cinco letras. Mãe, pai, avô, avó, tio, tia, filho, paz, saúde, sonho, amor, fado. Beijo, abraço, toque, sim, não, já, agora, calma, vem, fica.
Claras em Castelo

Claras em Castelo

Estar fechada em casa não me custa, o que me custa é não ver o meu filho e os meus pais, as minhas sobrinhas e os meus irmãos, as minha amigas e amigos. Na verdade, o que me custa ainda mais, é não acreditar que, quando a pandemia passar, as pessoas não vão mudar. Agora acreditam que sim, estão paralisadas pelo medo, mas são apenas boas intenções, porque as pessoas não mudam.

Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável