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Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

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O mini Trump

A minha amiga descobriu que o "príncipe dos tempos modernos" era, afinal, machista e viciado em cocaína.
03 de janeiro de 2017 às 17:50
Nova Iorque, EUA
Nova Iorque, EUA

Quando era miúda ouvia dizer que a América era a terra de todos os sonhos. A minha primeira experiência do lado de lá do Atlântico Norte foi Nova Iorque nos anos 90, quando as ruas estavam infestadas de junkies e traficantes de droga, as carruagens de metro eram grafitadas e o Lower East Side era tão perigoso quanto a Rocinha no Rio de Janeiro.

A América parece-nos familiar porque assistimos há décadas sem fim a filmes e séries que a retrataram como a montra de uma loja. Só quem esteva na América profunda conhece o continente do Tio Sam.

Para isso é preciso viajar para as pequenas cidades, para as zonas rurais, ou para aquilo a que os próprios americanos chamam de 'Suburbia', os infinitos desdobramentos em torno das grandes e médias metrópoles onde todas as casas e ruas são iguais e os centros da vida quotidiana são os centros comerciais.

Nesses lugares a cultura é substituída pelo consumo e todas as pessoas se parecem incrivelmente. Basta olhar para os mapas das eleições para perceber quem vence onde.

Nos anos 90, o Trump era apenas um milionário maluco que tinha construíra uma torre horrível em Manhattan, dourada, o ícone máximo do mau gosto.

'Deve ser amigo do Tomás Taveira', lembro-me de ter pensado, quando me deparei com o mamarracho de 58 andares na 5.ª Avenida. Nunca mais passei à porta do monstro dourado. Foi nessa viagem que a minha amiga Leonor se apaixonou por um americano.

Tínhamos pouco mais de vinte anos, era a segunda vez que viajávamos juntas, ou talvez a primeira a sério, porque ir passar um fim de semana a Madrid no Lusitânia Expresso não era propriamente uma grande aventura. Mas Nova Iorque, sim, por tudo o que implicava, incluindo horas de espera sem fim na Embaixada Americana para ter o visto de turista.

Não foi na Trump Tower que Leonor e Kevin se conheceram, mas nas Torres Gémeas, onde lhes tirei a primeira fotografia juntos, sem imaginar o que aconteceria naquele mesmo lugar alguns anos depois.

Kevin era dez anos mais velho, um menino bonito de Wall Street com fatos de bom corte, gravas europeias e meias pretas até aos joelhos.

O príncipe dos tempos modernos encantou a minha amiga, e ele encantou-se com o seu ar de europeia chique, a sua cultura acima da média americana e a sua vocação natural para dona de casa.

Em apenas dez dias pediu-a a em casamento e pouco tempo depois de regressarmos a Lisboa, veio até cá para formalizar o pedido. O casamento foi marcado e realizado seis meses depois e a Leonor partiu de armas e bagagens.

Regressou três anos depois. Entusiasmado com a ideia de ter uma mulher que lhe desse cama, mesa e roupa lavada, Kevin considerou que Nova Iorque não era um bom lugar para ter filhos e ao fim de um ano de casamento embalou a sua vida para os subúrbios e deixou Leonor entregue ao marasmo dos tachos e de um bairro sem história nem vida.

Leonor atravessou o maior deserto da sua vida, mortificada pela escolha precipitada e errada que fizera. O príncipe afinal era machista, brigão, viciado em cocaína e tinha casos com colegas de trabalho.

Nesse tempo, sem Skype e no início dos e-mails, o isolamento era quase total. Ele quera que ela engravidasse, felizmente não aconteceu. Finalmente conseguiu voltar, depois de muitas discussões, nas quais Kevin dizia frases que lhe pareciam saídas da Idade Média, "eu sou o teu marido, tens de me dar filhos, dou-te uma boa vida e pago tudo, o que podes querer mais?"

Leonor voltou para Portugal mais gorda, apática, emocionalmente exausta e desarranjada. Viciara-se em junk food e demorou algum tempo a recuperar da aventura americana.

Dois anos depois casou com o Vasco, amigo do irmão, apaixonado por ela desde o tempo do liceu que nunca deixou de lhe escrever e de lhe telefonar, mesmo depois de casada e desterrada na 'Suburbia'.

Só regressou a Nova Iorque há dois anos, porque o Obama lhe deu alguma esperança. Quando o Trump ganhou as eleições, telefonou-me e disse, "não estou nada admirada. Eu fui casada com um Mini Trump, a América está cheia deles".

Dois anos depois casou com o Vasco, amigo do irmão, apaixonado por ela desde o tempo do liceu que nunca deixou de lhe escrever e de lhe telefonar, mesmo depois de casada e desterrada na 'Suburbia'.

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