
"Uma mulher tem de saber o que vestir e aquilo que quer", disse Gabrielle, mais conhecida por Coco Chanel. Nunca foi uma mulher bonita nem com boa figura, mas compensava em astúcia, foco, inteligência, carisma e imaginação. Ficou órfã de mãe aos 11 anos e foi literalmente despejada pelo pai num convento com as duas irmãs mais novas. O pai nunca voltou para as buscar e Gabrielle começou a sonhar com vestidos de princesas e palácios sumptuosos que bebia dos romances de Pierre de Courcel que existiam no convento.
Aos 18 anos fugiu do marasmo das freiras para tentar a carreira de atriz de teatro, mas rapidamente percebeu que não possuía nem o talento nem as formas voluptuosas necessárias para alcançar o sucesso, e começou a desenhar e a vender chapéus.
Reza a lenda que um dia, ao vestir uma camisa do seu amante, viu ao espelho uma imagem tão forte que iria mudar para sempre a sua vida e o mundo ocidental: a sensualidade de uma mulher em roupa de homem. Até então, as mulheres só usavam roupas masculinas para esconder o seu género. A História da Humanidade está cheia de aventureiras ousadas e bastante inconscientes que lutaram batalhas e atravessarem oceanos em naus e caravelas com o peito achatado por faixas, bocados de pano no meio das pernas e a cara suja de carvão para dissimular a seu sexo. O que Gabrielle viu naquele espelho era uma coisa totalmente nova: o poder de sedução da ambiguidade.
Arthur Capel, jogador de polo e dandy por vocação, achou graça e levou-a ao alfaiate para lhe fazer um fato completo à homem. Gabrielle começou a passear-se a cavalo com o seu novo traje, recusando-se a montar à amazona e a sua originalidade espalhou-se no inconsciente coletivo feminino sob a forma de desejo e de inquietação. Arhur ajudou-a no negócio dos chapéus e roupas. Incentivou-a a abrir uma loja em Deauville, a pequena vila onde os parisienses passavam o verão.
Chanel era destemida: dava grandes mergulhos no mar e inventou os fatos de banho e várias peças de roupas andróginas e vagamente provocadoras. Cortou um casaco do amante e assim nasceu o cardigan moderno para mulheres. O seu rasgo contagiou Paris. Em 1920 Chanel já era a maior referência de moda da sua época. As suas roupas representavam uma nova mulher: confiante, independente, afirmativa e com um toque de revolta. Embora os materiais fossem baratos, vendia as suas roupas caras e as parisienses não se importavam de pagar.
Sempre guiada pela sua inquietação interior, Chanel quis lançar um perfume, algo completamente invulgar na sua época. Imaginou um aroma floral que não se identificasse apenas com uma flor, mas mais etéreo, qualquer coisa que ficasse no ar que encantasse mulheres e homens e criasse neles a vontade de o possuir, um bouquet de diferentes flores que cheirasse diferente em cada mulher. Em vez de lhe dar um nome romântico, optou por uma fórmula simples, como se fosse uma designação científica de laboratório: Chanel N.5. Escolheu uma garrafa simples, de linhas direitas com o logotipo dos dois C interlaçados. Perfumava a loja e os sacos das clientes que saíam da loja intrigadas com o aroma. Semanas mais tarde, quando o perfume foi posto à venda, tornou-se um epidemia. Nunca um perfume teve tanto sucesso.
Gabrielle era uma sedutora nata, uma estratega certeira, um espírito inquieto, mas foi sobretudo uma mulher à frente do seu tempo. Ela vislumbrou o futuro na sua imagem ao espelho e a seu rasgo mudou a imagem e o lugar das mulheres na sociedade ocidental. Foi o grande passo de Amstrong na terra, gigante para a humanidade. A diferença entre ela e as outras mulheres, é que não se limitou a vestir a camisa do amante para sair da cama. Apropriou-se da imagem masculina para revolucionar e valorizar o género feminino e isso fez dela uma grande feminista.
Quanto ao perfume mais poderoso do mundo, aguça no íntimo feminino o desejo de sedução e empresta a qualquer mulher um toque de magia. Os homens podem fazer tudo para esquecer uma mulher, mas nunca esquecerão o perfume que em tempos os levou a cruzar os céus como heróis alados, astronautas do prazer. E esse trunfo de uma mulher que soube amar e soube ser amada nunca perde o prazo de validade. Nunca. É o aroma do prazer lembrado e relembrado em imagens e sons que o tempo nunca apaga. É o eterno feminino.