
Após sair do local onde votei para as legislativas, na rua, uma senhora vem saudar-me e pergunta, em tom baixo: "não votou no Chega, pois não?" Respondo-lhe a sorrir: "sabe que o voto é secreto". E lá fomos, cada um à sua vida.
Mas fiquei a pensar no que tinha acabado de acontecer e nas discussões que tenho tido, sobre o resultado das eleições. Por que razão esse medo exacerbado de ver a Democracia ganhar forma, ainda que desajustada para muitos, precisamente na véspera do 25 de Abril? Mais... as pessoas com medo do Chega vivem em que país? O racismo, a xenofobia, a homofobia, a misoginia, são criações de André Ventura? Ou a verdade é mais dolorosa?
A psicologia explica: detestamos nos outros o que detestamos em nós mesmos. Não será esse temor, afinal, a projeção do que, no fundo, muitos sabem que o são também? Porque nos 50 anos do 25 de Abril, muito mudou em Portugal sim, mas praticamente todas as áreas da sociedade permanecem reféns duma mentalidade colonial que a história moderna insiste em não assumir.
Se não, onde estão nos programas de televisão, na ficção, instituições bancárias, grandes multinacionais, debates, ou seja, nos lugares de voz e decisão, os rostos da tão propalada diversidade de que falam os discursos de circunstância, que traçam o perfil do Portugal inclusivo e multicultural, só que não?
Quem quer mudar a realidade que é (muito) injusta para muitos, não pode ter indignação selectiva: quando dá jeito apontar o dedo aos "maus da fita", fá-lo com convicção. Mas, depois, quando pode fazer mais e melhor, deixa que fique tudo como está. O resultado de domingo não é sobre o que André Ventura fez ou faz, mas sobre o que não fizeram ou não fazem muitos dos rebeldes de ocasião, que não perceberam que "quando Pedro fala sobre Paulo, sabemos mais sobre Pedro do que sobre Paulo".