Ljubomir: pai morreu sem ele lhe pedir perdão
O anfitrião de 'Pesadelo na Cozinha' recorda o dia em que o pai lhe atirou um pesado cinzeiro de cristal e as constantes agressões à mãe. Memórias tristes e violentas que ainda atormentam o chef. Ainda assim, Ljubomir mantém a dor de não se ter despedido do pai.
Com somente 12 anos de idade aprendeu a manejar armas, em plena guerra da Bósnia, que acabou por levar ao desmembramento
da Jugoslávia. Mas, antes de ser uma criança-soldado, já Ljubomir Stanisic tinha assistido a cenas de violência doméstica, muito duras.
O pai, Mihailo, administrador da Companhia das Águas da Bósnia, agredia a mãe, Rosa Petronic, economista. A violência chegava a extremos, como o próprio Ljubomir, hoje com 38 anos de idade, revelou durante uma conferência motivacional, na Universidade Portucalense. Dado como um exemplo de sucesso, a seguir pelos alunos que o ouviam atentos, o chef contou detalhes da sua vida
mais íntima.
E, ao recordar o dia em que o pai morreu, contou também por que só fez as pazes com Mihailo depois de este falecer. "Quero arranjar maneira de me despedir dele. Com toda a frieza e consciência que estou a fazê-lo."
AGRESSÕES BRUTAIS EM CASA
O mais temido chef do país puxou da memória. Queria encontrar uma boa lembrança. "Ponho-me à procura, na minha cabeça", disse, enquanto dava voltas no palco, perante a plateia de universitários.
Apenas se recorda de um momento bonito, ao lado do pai. O dia em que Mihailo o levou a um lago e o ensinou a pescar. De resto, apenas horror e uma infinita tristeza. "O meu cérebro foi como lençóis de papel. Comecei a rasgar, folha a folha, cada vez mais rápido e cada vez com mais raiva. E cada vez mais m… a bater na minha cabeça."
Ljubomir recebeu a notícia da morte do pai quando andava a viajar pela Europa, de autocaravana, com a mulher e os filhos. Foi assim que escreveu o livro 'Papa-Quilómetros Europa'. Era manhã cedo e tinha saído da auto-caravana para fumar um cigarro, depois de ter bebido café.
Com todos estes pensamentos a varrerem-lhe o cérebro, voltou a sentir a mesma raiva que o levou, um dia, a espetar uma faca na mão do pai, como o próprio revelou à revista 'Sábado'. "E pimba! Dei um soco na minha própria tromba!", contou, ao mesmo tempo que partilhou outra memória violenta. O ataque do pai a Ljubo, na altura uma criança pequena.
"E a m… do cinzeiro de cristal, de dois quilos, a voar na direção da minha cara. Desvio-me. Mas levo um estalo na orelha, porque está a explicar qualquer coisa que é muito importante e da qual não me posso esquecer."
MÃE SOVADA DEPOIS DE DESMAIADA
Ljubomir Stanisic também não esquece o que viu, numa tarde em que chegava da escola. "Viro-me para a esquerda e entro no meu quarto. Vindo da escola, com sete anos, vejo a minha mãe, sem reação, deitada no chão. E o monstro do meu pai, de camisa de alças, em cima dela, a soqueá-la, como se fosse um pedaço de carne, no chão."
Mesmo assim, Ljubomir Stanisic nunca desistiu dos seus sonhos e quis ser um homem diferente. Só ficou em paz com o pai depois de Mihailo falecer. Veio para Portugal, tem dois filhos "e uma família linda! Que mais é que um gajo pode querer?", referiu, ainda, em entrevista à 'Sábado'.
LUTO MUITO DOLOROSO
O facto de não ter qualquer memória saudável do pai fê-lo sofrer. A morte de Mihailo foi dura para Ljubomir, apesar de tudo o que o pai fez, ao longo da vida. Quando caiu em si, depois de receber a notícia da morte do pai, que lhe foi dada pela irmã, Ljubomir pensou para si próprio: "Quero viver. E quis viver uma vida livre de violência. Há azares. Acontecem. E o que nós temos a fazer é
ser melhores. Mostrar isso aos nossos filhos e não ser estúpidos", afirmou ainda, perante os universitários que o escutavam.
Ljubomir Stanisic continua a não querer o estatuto de estrela de televisão e foge de entrevistas. Porém, 'Pesadelo na Cozinha' catapultou-o para o sucesso. Há mais gente a ir ao seu restaurante, no Chiado. Ainda este ano, o jugoslavo pretende abrir dois
novos espaços: um em Lisboa e um outro no Algarve.