Luísa Castel-Branco quebra silêncio para contar infância de sofrimento: "Comecei a tomar calmante tinha 11 anos"
A escritora relata como nunca a história dramática: A dislexia, gaguez, a falta de amor, os maus-tratos.
Luísa Castel-Branco não conteve as lágrimas esta sexta-feira, 4, numa conversa com Júlia Pinheiro em que fala de um passado de pressão psicológica e falta de amor dos pais.
A escritora, que está a promover o novo livro, 'Quando eu era Pequenina', começa a falar da relação do pai consigo, com a mãe, Olga Amélia Pires, a falta de amor próprio e o que redescobriu ao reviver episódios da infância.
O pai, o jornalista José Manuel Vieira Pereira da Costa, tinha uma relação rígida com os filhos. "Naquele tempo os pais não davam beijos, [ele] encostava a cara só", afirma Luísa, mas não era só uma questão cultural, toda a relação do pai com a família parecia rígida.
"Um homem de amores e desamores. Magoou a minha mãe sem dúvida nenhuma, e naquele tempo o professor Marcelo Caetano deu-lhe a escolher: ou deixava a mulher com quem ele tinha um filho ou ia embora. E ele foi embora para África [...] Ele era um homem do regime e com a extrema-direita isso [as relações extra-conjugais] não pode acontecer".
Apesar das dores, Luísa sublinha ao longo da entrevista que era o melhor que o pai e a mãe podiam oferecer. "No meio disto tudo, no meio de um casal numa época que não se pode separar, a verdade é que ao mesmo tempo cada um deles me transmitiu coisas muito importantes", afirma, pouco depois de dizer que sentiu-se "sempre mal-amada".
A dislexia, a gaguez e os maus-tratos na escola
Quando saia do ambiente familiar, encontrava outros desafios na escola. Luísa Castel-Branco é esquerdina, mas foi obrigada a aprender a escrever com a mão direita. Além disso, tem o diagnóstico de dislexia. "Foi o desastre. Tinha um braço amarrado, [recebia] reguadas para escrever com o direito, mas o pior para mim eram as orelhas de burro em cartão".
"A raiva acompanhou-me sempre, se calhar é uma das razões que tenho pouca saúde", declara.
A somar-se a isso, a escritora de 66 anos de idade sente na altura a gaguez agravar-se. "Na minha família há muita gente gaga, mas eu comecei a gaguejar muito mais na escola. Eu tinha horror à comida e como não comia [na hora do almoço] não tinha recreio. Ficava ali".
O médico aconselha medicação para tentar travar os problemas. "Comecei a tomar calmante tinha 11 anos, dado pelo médico. Já apresentava muitos problemas e não aguentava nada no estômago".
Saúde mental da mãe
Luísa conta em lágrimas o episódio mais marcante da sua infância. Também aos 11 anos o seu pai forçou-a a acompanhar a mãe na ambulância que seguia para o Hospital Júlio Matos, em Lisboa.
"De todas as coisas é a que mais marcou [...] A minha infância terminou aí. Foi uma estalada de realidade completa. [...] Eu sei exatamente qual é o tecido [do colete de forças], como é que se fecha", relata.
A falta de sentimentos em casa acompanha-a sempre. "Queria ser amada, incondicionalmente, ser amada, ter a noção que alguém pela primeira vez te diz como és bonita [...] Toda a vida tive um complexo por ser feia e uma aversão total ao meu corpo. Hoje olho para minha filha [Inês Castel-Branco] e penso era muito estúpida".
O pai de Luísa faleceu aos 54 anos, em 1982. A mãe, Olga Amélia Pires, morreu em julho, aos 90 anos.