
Celebrou-se o 49.º aniversário da revolução de 25 Abril fazendo balanços do caminho andado e daquele que ficou para caminhar. Sentimentos e perceções contraditórias expressaram-se no espaço público, desde a nostalgia desse dia libertador, reafirmando a esperança e cantando glórias aos feitos realizados desde então, e olhares céticos e desiludidos perante a decadência de uma democracia que perdeu o vigor, permitindo que caciques e gente sem sentido de Estado se apropriassem dos sonhos construídos. Sentimentos e emoções têm pouco para discutir. Fazem parte da formação, experiência e conhecimento de cada um.
Porém, independentemente das avaliações subjetivas, é forçoso que se reconheça o impulso reformador que mudaram por completo as nossas Polícias. Só quem viveu a ditadura e o percurso democrático consegue destrinçar a radical mudança nas forças de segurança. Vivíamos num Estado policial, fortemente repressivo das liberdades, onde a PSP e a GNR eram os braços armados do regime. Militares e militaristas eram, aos olhos da população, fontes de medo. Através delas, manifestava-se a polícia política, esmagando possíveis manifestações populares, conflitos sindicais, e perseguição política a putativos opositores. A Polícia Judiciária tinha uma expressão mínima e a PIDE era a omnipresença que comandava todo o aparelho repressivo.
Olhar, hoje, para as nossas Polícias é vermos uma das mais importantes reformas que a vida democrática testemunhou. Coisa que, por exemplo, não se manifestou na Justiça com o mesmo esplendor. Com o fim da polícia política, com as alterações estruturais no sistema de governação, assistimos com o passar dos anos à reconstrução de forças de segurança com missões civilistas, de proximidade e proteção dos indivíduos, com preocupações com idosos e crianças que jamais estiveram com o brutal autoritarismo de outros tempos. Todas se sofisticaram, aumentando a sua capacidade de servir as populações, renovadas, preocupadas com os direitos, liberdades e garantias. Podem existir abusos, mas são pontuais. E eu, ainda hoje, dominado por memórias antigas, é com uma sensação de encantamento que vejo a PSP e a GNR a enquadrar manifestações populares de vária ordem. Nos meus olhos ainda está a violência antiga que, por vezes testemunhei. Bem-haja o 25 de Abril por este assomo de dignidade e alteridade cívica.