
Basta que chegue um ano com generosa pluviosidade para que Lisboa e os concelhos vizinhos sejam inundados de forma violenta, provocando graves danos materiais e perda de vidas humanas. Não é de agora. A região metropolitana de Lisboa não foi construída, nem planeada, para suportar cargas de água como aquelas que vivemos nos últimos dias. Permitiu-se a construção em leitos de rios, impermeabilizaram-se solos até à exaustão, antigas ribeiras, como a de Algés, foram desprezadas permitindo o seu envelhecimento e abandono que as tornam em armadilhas mortais.
Autarcas e governantes procuram lavar as mãos destas águas sujas com a invocação de argumentos que estão na moda, sendo que o das alterações climáticas é o verdadeiro bombom que conforta as consciências.
É certo que as alterações climáticas, devido aos crimes ambientais, provocam a perturbação dos ecossistemas com vagas de calor extremo, condições invernosas radicais. Porém, tornam-se num cínico subterfúgio político porque nada têm a ver com a gestão dos solos e políticas de urbanização. Nem com ações de limpeza dos escoadouros naturais e urbanos.
Desleixo é a razão principal. Desleixo a todos os níveis e de todos os atores políticos, desde a mais pequena autarquia até à Proteção Civil. Desleixo nada tem a ver com alterações climáticas. Desleixo nas limpezas, desleixo nas autorizações e licenciamentos para uso dos solos, para não lhe chamar coisas bem mais feias.
Os mais jovens não se recordam. Em 1967, o ano trágico das inundações, grande parte da zona ribeirinha foi devastada com a perda de centenas de vidas. Domesticaram-se o Tejo e o Douro com barragens que regulam os caudais. Porém, nada se fez para domesticar os especuladores imobiliários que usurparam os solos que a Natureza escolheu para forjar escoamentos de águas.
É bom que as autoridades prezem a inteligência das pessoas e a sua segurança. As alterações climáticas não podem ser o guarda-chuva que escondem o desleixo e o regabofe imobiliário.