
Esta semana, assisti, com boa dose de generosidade, à sessão solene da Assembleia da República que recordava dois séculos da primeira Constituição portuguesa. Um enfado! Salvou-se a banda da GNR, que tocou o hino nacional sem desafinações.
Os discursos desfasados da evocação, a necessidade de procurar naquele documento os fundamentos da legitimidade para o atual estado de coisas em que nos encontramos, esqueceram o essencial e sobrevalorizaram virtudes exauridas de ideias que desfilam por aquele hemiciclo.
Na verdade, das várias Constituições portuguesas, esta que agora se recordou, aquela que foi forjada pela primeira República, e a última, impulsionada pelo 25 de Abril de 74, são a substância dos sonhos mais nobres que acreditavam que os direitos de cidadania e a liberdade fazem parte da anatomia humana e do viver português. Foi o tempo de três gerações de sonhadores, homens de grande fé cívica, com profundos sentimentos de alteridade que procuraram vincular os caminhos de Portugal à contínua construção da dignidade humana, à interpelação de todos os cidadãos como obreiros ativos da sua felicidade coletiva.
Hoje, 200 anos depois da primeira Constituição, quase 50 anos depois da última, é fácil de perceber que a grandeza dos sonhos fundadores foi paulatinamente apropriada pelos caciques de sempre, gente vulgar, sem génio, mais interessados nos seus poderes pessoais do que na perseguição das utopias que nos foram propostas. Uma nova aristocracia banalizou a política ao nível do vexame. Duzentos anos depois, 50 anos depois, mais de metade dos portugueses não votam, entre a coisa pública e um debate sobre bola, nem hesitam na escolha e a luta pelos direitos de cidadania são pertença de grupos, tão sós, e tão desesperados, que a fome de liberdade se reduziu a discursos de ocasião. À banalidade engravatada. Salva-nos a banda da GNR. Que não desafina.