
Seis meses depois da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, torna-se difícil saber aquilo que é verdade e, portanto, notícia, e o que é propaganda. É certo que o jornalismo não é ideologicamente neutro. Quem constrói uma notícia assume sempre um ponto de vista, sendo que o noticiário ocidental está, na sua esmagadora maioria comprometido com a causa ucraniana. Reconheço que não sou neutro. Em todos nós, há uma costela de Robin dos Bosques que nos impele a apoiar os mais fracos e afastar-nos da arrogância militarista de Putin.
Porém, esta reflexão não procura cotejar as razões da guerra. Depois de tanta notícia, depois de tanto comentário e, sobretudo, depois de tanta propaganda, a questão é outra. Marcados por dois milénios de cristianismo, forjados em seis milénios de civilização, criadores das mais extraordinárias revoluções para ser vir o conforto e o bem estar, possuidores de forma de conhecimento que vão do macrocosmo até ao microcosmo, capazes de vencer os mais terríveis ataques contra a saúde e a sobrevivência, como é possível, como se explica, que o sentido predador do Homem continue a produzir guerras, a dizimar populações, como argumento mais forte nas relações entre seres humanos?
Não deixa de me surpreender que com o séc. XXI avançado, se discuta a guerra como argumento cultural e político.
Vincent-Thomas, um dos mais ilustres antropólogos do século passado, num dos seus livros mais luminosos, L’Anthropologie da la Mort, faz contas aos números de mortos em guerras e chega à terrível conclusão de que, nunca como agora, a atitude predatória dos homens sobre outros homens foi tão violenta e devastadora. Não é apenas na Ucrânia. É um pouco por todo o planeta. Um impulso para a guerra é aquele que nos atropela civilizacional e culturalmente. Em que se renega todo o conhecimento e salvaguarda de direitos humanos, em que soçobramos perante a necessidade de tomar partido sem que haja um mínimo de inquietação sobre as utopias, amores e sonhos de felicidade. É terrível tomarmos consciência deste condicionante: afinal, a necessidade de matar é bem maior do que a exigência de amar.