
Temos uma costela que nasceu das águas do Mediterrâneo. Berço da nossa Civilização, mar que une e separa, ampla estrada de comunicação, de conhecimento, de permuta cultural. Mar de saudade, de agonia, de sofrimento. De mil batalhas e heroísmos mitológicos.
Mar de turistas, de fotos de águas de cristal, de ilhas paradisíacas, impulsionador da libido e do prazer. O mar do sol!
O Mediterrâneo está presente na memória mais funda dos povos. E é testemunha do horror como poucos mares serão. Do horror das guerras. Do horror das migrações forçadas que descambam em naufrágios e num imenso cemitério de inocentes.
Esta semana, mais uma vez, dezenas de migrantes clandestinos adormeceram para sempre no fundo das suas águas. Nas últimas décadas ficou polvilhado de cadáveres dos que procuram sobreviver ao lado ruim deste mar de excessos. E os governos dos bem aventurados hesita, conflitua, não por causa dos mortos, sobretudo pelo destino a dar àqueles que conseguiram terra firme após cruzar este mar que os salvou. Julgam os sobreviventes. Não sabem que a fortuna não gera compaixão. E por aí andam. Escravizados, clandestinos, famintos.
A classe política discute-os. Ou melhor, são apenas pretexto para discussões estéreis, egoístas, crivadas pelo oportunismo que procura motivar as emoções perante o desconhecido. Escuto, num canal de televisão, as nossas putativas elites politicas a dissertar sobre a bondade e a maldade inscrita nesta chegada em massa de desconhecidos e surge-me a pergunta que a jornalista nunca fez: Vocês conhecem-nos? Sabem o nome de algum destes desafortunados?
Conhecem o Mediterrâneo mas desconhecem quem o atravessa para se salvar. E não consigo esconder a repulsa ao escutar cloacas a vomitar lugares comuns tendo como pretexto, sem texto, todos quantos esperam uma boia de salvamento, apesar de se encontrarem em terra firme. Na verdade, este tumulto sobre as leis da imigração é apenas a mais profunda ignorância a discutir a alma dos escravos. Nem parecemos filhos do Mediterrâneo.