
Passou um ano. Os noticiários militarizaram-se. As reportagens da guerra tornaram-se diárias. As línguas eslavas entraram nos nossos quotidianos com larga vantagem sobre o inglês e o francês. Serviram-se a rodos, durante o jantar, cidades destruídos, idosos e crianças desnudados de futuro, soldados que defendem, blindados que atacam, num verdadeiro festim de violência a sofrimento. As televisões rebentaram com o último dos tabus. Nada melhor do que mostrar cadáveres mutilados, podres, espalhados pelas estradas e avenidas. E Bucha, a Guernica da Ucrânia, sepultada em valas comuns.
Um ano de barbárie. O Czar, no alto da sua ostensiva solidão, indiferente à morte dos seus e dos outros. Putin tornou-se no carrasco, indiferente, à brutalidade dos seus canhões. Hospitais, escolas, bairros residenciais, todos reduzidos a escombros, são o currículo glorioso que ostenta na celebração do horror. Até os seus antigos amigos e conselheiros que fazem um esgar de dúvida sobre os seus métodos com que serve o Armagedão, caem de altas janelas ou suicidam-se alegremente. Um ano de paixões!
Primeiro, era uma operação militar especial que tinha como objetivo desnazificar a Ucrânia. Depois, era recuperar a pátria ucraniana para o colo da mãe Rússia. Depois, passaram dia, meses de destruição em massa. O prazer lascivo de matar e destruir. O prazer da barbárie inqualificável e a propaganda a cantar vitórias que a realidade desmentia. Há um ano, os nossos russófilos, embasbacados com o poderio militar do Czar, garantiam que era uma semana de guerra. A Ucrânia iria cair perante um dos maiores exércitos do mundo. Análises orgásticas sobre a genialidade do exército russo, a vitória breve sobre o nazismo ucraniano. Um ano depois, tanto sofrimento depois, tanto luto depois, encontramo-nos no mesmo ponto. Apenas se percebeu que Putin é a brutalidade dos antigos bárbaros. A megalomania dos nazis. O desprezo pela vida daqueles que oprime e mata indiscriminadamente.
Derrotados mesmo, um ano depois, são os noticiários que há muito trocaram as notícias por homilias de propaganda. De um lado e do outro. O único território onde não existe falta de munições. Um ano depois, estamos bem mais pobres. Os bombardeamentos de palavras secou-nos os corações.