
Foi com apreensão que adormeci há uma semana depois de Jair Bolsonaro ter vencido as eleições presidenciais no Brasil. Por norma, registo num moleskine preto, estados de espírito sobre factos que de alguma forma me inquietam.
A 28 de outubro escrevi: "Ninguém me disse, mas esta noite vou sonhar sofrendo com o Rio sem o Corcovado e com as ruas sem o retumbar dos batuques do samba... resta-me esperar pelo despertar para voltar a sentir o calor de uma terra que foi esculpida por Deus."
Parte da minha angústia – mais até do que as ameaças insanas extremistas de Bolsonaro sobre os homossexuais e a raça negra – devia-se à conversa mantida com dois jornalistas da 'Folha de São Paulo', poucos dias antes da realização da segunda volta das eleições.
"A 'Folha de São Paulo' está em risco de fechar porque escreve aquilo que o Jair Bolsonaro não quer", partilhavam comigo, dando exemplos claros de uma perseguição que atenta contra os princípios básicos da liberdade de imprensa e de um país que se diz democrático.
"Amordaçar" a imprensa é um ato hediondo que deve ser reprovado e denunciado por todos aqueles que fazem do jornalismo a sua profissão.
Depois de assistir à entrevista feita pelo pivot da Globo, William Bonner, a Bolsonaro percebi que ainda existem profissionais que colocam, acima dos órgãos de comunicação social que representam, a liberdade de imprensa.
Sem pedir licença a ninguém, Bonner questionou o presidente brasileiro sobre a intenção clara de acabar com a 'Folha de São Paulo' e ainda defendeu o título reafirmando a importância acumulada no âmbito da democracia brasileira.
A atitude de Wllliam Bonner, em relação à concorrência, que tantas vezes criticou o espaço informativo que edita, fez renascer a esperança de que um dia isso seja possível em Portugal. Existir uma classe que se defenda em nome de um valor insubstituível: a liberdade.