
Há dias que nascem com poesia nas mãos, como quando olhamos para o que somos com filosofia dentro. O sapateiro velhote na barraca junto à esquina do bairro, a senhora cansada perto da paragem do autocarro, ou a maneira como todas as crianças sorrateiramente enganam a felicidade. Toda a inutilidade serve o propósito de nos situar perante a prosa infinita do absurdo. A profundidade é a uma forma (a pior) de vaidade. E a felicidade é uma forma de vontade, tenho vontade de o dizer.
Queria, pelo menos às vezes, ter a quietude na alma, ficar feliz com um passo após o outro, acomodar-me à descrença; mas em pouco tempo chego até mim e o que vejo quando estou parado enoja-me. Vivo para mudar: eis a única verdade que nunca consegui mudar. Podia, é claro, ter cuidado — mas prefiro ter amor. Tem-me bastado para ter tudo.
O sórdido alimenta o anjo, numa guerra profícua que nauseia e fascina. Vive-se por oposição, ama-se para se ser do contra. A única morte é por isso o tédio, a medida final de todas as filosofias, de todas as religiões. O desespero é mais humano do que a indiferença, como talvez a mentira seja mais humana do que a verdade. Poder-se-á então dizer que o amor é a mentira que nos sustém, mas seria falso — mas quem é que quer saber disso? Exploremos, pois, a mentira, sem julgamentos estéreis, sem preconceito bloqueador. Só se estuda a doença para a poder curar.
Nota: s.f. Diz-se que é aquilo que faz andar o mundo — por mais que não passe daquilo que faz doer o mundo.